Entre “Ovos e Coelhos”, onde pára a Páscoa?
Por esta altura do ano, há quem esconda uns ovos de chocolate no quintal para que as criancinhas os descubram. Há quem compre e coma compulsivamente as amêndoas coloridas. Trocam-se doces e oferece-se dinheiro. Depois são os coelhos. Coelhos para aqui, coelhos para ali, ovos para aqui, ovos para acolá…E no fim da quadra, corre-se o sério risco de ter uma boa porção de crianças a pensar que Páscoa é uma espécie de Natal, onde quem “desce a chaminé” é um coelho, e as prendas se resumem a doces porque nessa quadra os pais não recebem subsídio! Pois a moda parece pegar e alastrar entre as nossas famílias, inspiradas num marketing amigo de uma simbologia mais simpática às vendas. É sem dúvida menos agradável à vista um Cristo agonizante do que um coelhinho azul, mas valerá a pena privar os mais jovens do profundo significado do primeiro em prol da estética do segundo?! Nesta Páscoa sugiro que se expliquem os símbolos àqueles que dependem do nosso cuidado.
Quando, a partir do séc.IV, o avanço do Cristianismo se começou a deparar com as várias crenças pagãs enraizadas na Europa, bem como com alguma relutância no abandono de certas práticas e costumes, deram-se uma série de ajustes e adaptações das práticas religiosas locais, procurando-se fazer coincidir (no seu significado) festas e temas pagãos com as principais celebrações cristãs, de modo a proceder a uma evangelização mais espontânea e eficaz dessas regiões. Dessa sintonização resultaria uma natural troca de elementos que acabavam engrossando também a própria simbologia cristã. A Páscoa é disso exemplo.
Entre as populações pagãs do Norte da Europa, a mudança de estação, correspondente ao equinócio da Primavera, era vivamente celebrada e intimamente ligada a Eostre, deusa da fertilidade, da renovação. Ora, a deusa Eostre surgia representada sob a figura de uma mulher segurando um ovo (símbolo tradicional de fertilidade) junto a um coelho (também ele símbolo de fecundidade). Era uma Primavera exultada no seu carácter fértil, renovador, abundante, e, como tal, acolhida em festa. Na verdade, e face ao período em que se assinala a Paixão, facilmente se alinhou a celebração deste conceito pagão de renovação e renascimento com o da Ressurreição de Cristo e seu carácter salvífico e reabilitador dos homens, um recomeço. Consta que a troca de ovos decorados remonta já aos cultos pagãos de romanos e gregos, pelo que a prática generalizada prevaleceria, acabando mesmo absorvida pelo Cristianismo, que a transformaria numa expressão do culto e veículo de evangelização. A tradição permanece, todavia, mais fiel entre os cristãos do Leste europeu, onde ainda hoje é muito vulgar encontrarem-se ovos decorados com alusões a temas cristãos. Já por cá, parece completamente perdida essa associação, não passando um “ovo” apenas disso mesmo, e de chocolate, de preferência.
Talvez por isso mesmo resulte a necessidade de reintroduzir esta associação, aproveitando o incremento dado ao consumo alusivo à época, para reaproximar a Páscoa destes pequenos veículos, hoje em dia completamente desprovidos de um sentido que não o desse mesmo consumo. Se através de um ovo, onde uma criança pinte a sua ideia de Jesus, surgir uma semente para a compreensão do significado da Páscoa e da mensagem que ela traz à sua vida, então encham-na de amêndoas e os quintais de chocolate, porque se fez a diferença. Tudo o mais são cáries e folias desprovidas de sentido. Se os coelhos e os ovos não forem apresentados às crianças como portadores de uma mensagem e enquanto símbolos (eufemísticos) da obra de um Deus que está presente e é amigo, eles tornar-se-ão contraproducentes, porque apenas distrairão o seu imaginário daquele que é o único significado da presente quadra: Amar como Jesus amou.