Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

quinta-feira, junho 22, 2006

- Sebastião, o “menino-rei” -



A 2 de Janeiro de 1554 morria João de Portugal, o último filho de D. João III e último possível herdeiro da Coroa Portuguesa. Quando Castela já esperava vir dominar Portugal, unindo os dois reinos ibéricos, eis que nasce D. Sebastião, o filho póstumo que vem ao Mundo 18 dias após a morte do príncipe como… o “Desejado”.

A dinastia de Avis, iniciada com D. João I, o tal que venceu os espanhóis em Aljubarrota, foi pautada por gerações de casamentos entre a mesma família, tanto que D. Sebastião apenas tinha 4 dos 8 bisavós que normalmente qualquer pessoa tem, e ainda assim, todos eles descendentes directos do mencionado D. João I. Ora, para além de graves casos de demência, as novas gerações traziam uma fragilidade física que se reflecte, por exemplo, na morte célere dos 8 filhos de D. João III, deixando o reino à beira da união ibérica. Com a morte de João, o último e o mais novo dos filhos do rei de Portugal, resta ao reino a esperança de que o seu filho, Sebastião, cresce lúcido e forte, afim de dar continuidade à dinastia. Pois, é com apenas 3 anos de idade que, face à morte de D. João III, seu avô, o pequeno e frágil príncipe sobe ao trono e sucede na linha dos reis de Portugal.



Enquanto foi menor, a regência foi assegurada pela sua avó, a viúva de D. João III, e depois pelo tio-avô, o Cardeal D. Henrique, sendo que no decorrer desses 11 anos se continua o processo de expansão a Sul e Oriente. O príncipe é educado em austeridade pelos jesuítas, crescendo com grande fervor religioso, contudo, rodeado de todas as atenções e mordomias, o que lhe desenvolveria um espírito teimoso e caprichoso, aliado a uma forte dose do misticismo e até do messianismo que lhe incutia todo o reino, em relação à sua pessoa e à sua missão enquanto rei. Sebastião acreditava que lhe competia cumprir uma nova grande cruzada contra os muçulmanos do Norte de África, restituindo a glória à sua dinastia. Vê ainda nesse empreendimento uma oportunidade para o comércio, bem como uma área de intervenção para a nobreza do reino, ávida por novos combates e glórias.

Não é difícil imaginar as pressões e tentativas de influência, vindas de todos os quadrantes da sociedade portuguesa, a que o jovem príncipe terá sido continuamente exposto. Assim, ao tomar para si o controle do reino, aos 14 anos, D. Sebastião começa imediatamente a planear a sua campanha em África. É curioso observar que o então rei de Espanha, D. Filipe II (futuro I de Portugal) impõe o adiamento do casamento de sua filha com o príncipe, para depois da campanha. Ora, a oportunidade certa para o avanço desta campanha, surge com a instabilidade ocorrida entre os muçulmanos. Al-Malik, expulsa o seu sobrinho Moulay Mohamed de Marrocos em 1576, tomando-lhe o poder. O líder deposto vem então pedir o auxílio a D. Sebastião para retomar o poder (depois de tal lhe ser negado pelo rei de Espanha, que já havia feito pacto com Al-Malik), prometendo a praça de Arzila em troca, ao que o jovem rei acede imediatamente.

Começa então a tentativa de reunir tropas para a campanha, vindo mercenários da Alemanha, da Flandres e Itália com armas e munições, juntar-se aos lavradores e mesteirais portugueses arregimentados à força e a alguns fidalgos prontos a comandar as hostes. Em suma, constituiu-se um exército de cerca de 15 mil homens, indisciplinado, inexperiente, mal organizado e pouco motivado para a batalha. Com eles parte de Lisboa D. Sebastião, no dia 25 de Junho de 1578, a data que agora se assinala, rumo a Alcácer Quibir. Parando em Tanger, onde o aguardava Moulay Mohamed, seu aliado, desembarca em Arzila, de onde pretende seguir a pé até ao local da batalha. O jovem não dá ouvidos aos militares mais experimentados, que o aconselham a que siga nos navios, paralelamente à costa, não só para poupar o exército mas também para poder ter forma segura de poder retirar, em caso de derrota eminente. Chegando a Alcácer Quibir, depois de muito caminhar sob calor intenso, cansado e com fome, o exército português encontra o de Al-Malik, muito superior em número e extremamente motivado. É a 4 de Agosto que se dá a refrega. Envolvido em meia-lua, face à desproporção numérica, o exército português é então dizimado, terminando tudo rapidamente com inúmeras mortes e aprisionados os sobreviventes. Esta batalha, conhecida pela “Batalha dos Três Reis”, ficou famosa pelo facto de nela terem perecido os 3 líderes envolvidos. Moulay Mohamed morre afogado na ribeira Mocazim, Al-Malik morre subitamente no início da batalha e D. Sebastião terá sido morto em combate, desaparecendo.


Quadro alusivo à batalha.

É aqui que começa aquele que se quis como um dos maiores mistérios da História de Portugal. Sebastião foi morto? Sobreviveu e fugiu, retirando-se para um mosteiro até ao fim da vida? O “Sebastianismo”, como movimento misticista, começou aí, face à ocupação castelhana que se seguiu ao desaire de Alcácer Quibir. Os portugueses foram alimentando a esperança de ver a qualquer momento ressurgir o jovem rei, libertando o país do domínio espanhol e restaurando a dinastia de Avis. Essa crença manteve-se e generalizou-se nas palavras do poeta Bandarra, partilhada pelo próprio Padre António Vieira e, através dos tempos, chegando a Fernando Pessoa, já sob a forma de um patriotismo místico e messiânico, com a sua “Mensagem”.

Certo, é que existem documentos no Vaticano onde os papas Clemente VIII e Paulo V atestam que, diante de si, se encontrara o verdadeiro D. Sebastião, reivindicando a sua Coroa, sentenciando eles que D. Filipe III de Espanha (o então II de Portugal) lhe devolvesse o reino, o que este nunca quis cumprir, pedindo sucessivas revisões do processo. É também certo que, não tendo nenhum soldado ou nobre português visto ou resgatado o corpo do rei, acaba por ser o próprio rei de Espanha, que agora reivindicava o trono de Portugal para si, a apresentar um corpo vindo não se sabe de onde, que alegava ser o de Sebastião, afim de ser trasladado para os Jerónimos, em Belém. Há quem sugira que Filipe II, contrariado com o inesperado nascimento de Sebastião, quando se preparava para ser coroado rei de Portugal, lhe prepara uma armadilha que o demoveria do trono para sempre. Há quem descreia da sua morte. Há ainda quem o aguarde…

11 Comments:

  • At 7:25 da tarde, Blogger foxglove said…

    Caro amigo, gostava, se possível, que me indicasse a fonte de onde extraiu a seguinte informação:
    "Certo, é que existem documentos no Vaticano onde os papas Clemente VIII e Paulo V atestam que, diante de si, se encontrara o verdadeiro D. Sebastião"

    É um dado curioso a juntar aos inúmeros “sósias” de D. Sebastião que foram aparecendo a partir de 1580.

    Cumprimentos

     
  • At 5:40 da tarde, Blogger Recuemos... said…

    Como é sabido, vários autores têm procurado documentação que permita encontrar algo mais sobre o desaparecimento de D. Sebastião. Entre teorias várias, surge esta, em que, baseando-se em documentos de Roma, Mário Saraiva desenvolve uma “teoria da conspiração”, sugerindo uma cilada montada pelo rei de Espanha.

    Segundo Mário Saraiva, a corte filipina chegou a intervir no sentido de os portugueses perderam a batalha de Alcácer Quibir, tentando matar D. Sebastião quando este pelejava em Marrocos.
    A cilada montada por Espanha não terá resultado e o rei refugiou-se num ermitério, após a batalha. Quando se apercebeu que tinha sido destronado, apelou ao Vaticano e fugiu para Vicenza, de onde foi expulso em 16 de Dezembro de 1600. Posteriormente, alojou-se em Nápoles, onde foi acolhido pelo conde de Lemos.

    Sem dúvida uma versão fascinante, que poderá interessar aos estudiosos da especialidade.

    De acordo com a investigação de Mário Saraiva, a prova está numa directiva do Papa Urbano VIII, de 20 de Outubro de 1630, onde se pode ler: «Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião, rei de Portugal, nos foram apresentadas pessoalmente no Castelo de Santo Ângelo duas sentenças de Clemente VIII e Paulo V, nossos antecessores (...), em que constava estar justificado largamente ser o próprio rei e nesta conformidade estava sentenciado para lhe largar (o trono) Filipe III, rei de Espanha, ao que (este) não quis nunca satisfazer, pedindo-nos agora (que) tornássemos a examinar os processos (...)»

    (excertos transcritos pelo Jornal Público. Lisboa, 1 de Dezembro de 1996, p. 27).


    Descrendo que o autor forjasse tais documentos, é de levar em conta o facto de dois pontífices terem atestado a identidade do rei e que Urbano VIII veja justificação para retomar o caso.

    Também é certo que após a união das duas coroas, D. Filipe obtém crescente ascendente junto de Roma. A ser verdadeira a identidade desse “D. Sebastião”, não admira que o Papa não se tenha disposto a contrariar frontalmente o rei de Espanha. Outros interesses falariam mais alto.

    É uma hipótese.

     
  • At 7:30 da tarde, Blogger foxglove said…

    Agradeço

    Cumprimentos

     
  • At 12:37 da tarde, Blogger Kisa said…

    O mito de D. Sebastião é mais complexo quer em termos de factos históricos quer em termos de repercussões na vivência e nas mentalidades dos portugueses. Se na época a incerteza quanto ao desaparecimento do rei na batalha levou ao surgimentos dos chamados falsos D. Sebastião (Rei da Ericeira, Rei de Penamacor e Pasteleiro de Magrigal, Prisioneiro de Veneza - com dúvidas que ainda hoje prevalecem no caso deste último), apoiados pelo povo ou por nobres revoltados com a perda da independência; com o passar dos anos e a impossibilidade de retorno físico do rei muitos portugueses acreditaram na «reencarnação» (avatares) do espírito de um líder que libertasse Portugal e restaurasse a época de glória do nosso povo retirando-nos do adormecimento e da decadência em que, ainda hoje, nos encontramos. Acreditou-se em D. João V, em Sidónio Pais, em Fernando Pessoa...
    no fundo os portugueses têm necessidade de acreditar que existem com um propósito maior - Destino Manifesto - prometido por Cristo no «Milagre» de Ourique (também este de ocorrência duvidosa) e de acordo com o qual Portugal seria a cabeça de um Império Espiritual e lideraria a Humanidade na Idade do Espírito Santo (Profecia de Daniel; teoria de Joaquim de Fiore - Evangelo Eterno).
    Tudo isto «enforma» a saudade, o fado e a esperança portuguesa que nos impede de nos dedicarmos em empreendimentos de pequena envergadura, mas nos exalta e torna heróicos em tudo o que possa ser Grande e memorável para a Humanidade...

    Para mais informações:
    AA. VV. - Cumprir Portugal. Lisboa: Instituto Dom João de Castro, 1988.

    CARMELO, Luís – “O Milagre de Ourique ou o mito nacional de sobrevivência” in Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. (www.bocc.ubi.pt, consulta a 01/07/2005).

    D’ANTAS, Miguel - Les Faux Dom Sébastien. Bruxelas, 1873.

    FRANCLIM, S. (org.) – d’O Encoberto ou o Livro de D. Sebastião. Lisboa: Hugin, 2004.

    QUADROS, António – Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista. (1982-1983), 2ª Edição, Lisboa: Guimarães Editores, 2001.

    SANTOS, Frei Manoel – História Sebástica. Lisboa Ocidental: Na Oficina de Antonio Pedrozo Galram, 1735.

    SARAIVA, Mário – Nosografia de D.Sebastião. Lisboa: Delraux, 1980.

    SÉRGIO, António – Breve interpretação da História de Portugal. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora.

     
  • At 3:19 da tarde, Blogger foxglove said…

    Caros Amigos:

    Estamos ainda a esquecer-nos que o Sebastianismo não é exclusivo de Portugal. Em Castela temos um movimento messiânico similar, apesar de algo mais antigo, cujo reflexo mais interessante se encontra nas coplas do monge Pedro de Frías, que referem constantemente o "Encoberto".
    Não nos esqueçamos ainda do processo que levou ao desaparecimento e aos múltiplos "reaparecimentos" do califa Hixam II. Apesar de bastante distanciado no tempo e das repercussões menos significativas, não deixa de ter algumas similitudes com o messianismo sebastianista.
    Creio que este tipo de messianismo não é nem português, nem espanhol, é ibérico.

    Cumprimentos

     
  • At 10:44 da manhã, Blogger Kisa said…

    Caro foxglove,
    o messianismo é uma crença hebraica presente em vário povos, não apenas na ibéria. Recordo que na República Checa existe um representado na ponte D. Carlos (não me recordo o nome); a Suíça tem o Guilherme Tell; a França, Carlos o Temerário... enfim muitos são os povos que acreditam no regresso do salvador. Por outro lado, é também uma «crença» inspirada no hermetismo: o Grande Monarca que nos tira da decadência e governará o mundo. (para não referir a crença cristã)
    Por isso, talvez, o sebastianismo está tão enraizado no inconsciente colectivo português.

    (António Sérgio foi quem elaborou o estudo comparativo mais exaustivo sobre a não exclusividade do mito português, no entanto, é exclusiva a forma como cada povo o sente e o vive, o que é herança histórica)

     
  • At 12:33 da tarde, Blogger foxglove said…

    Kisa:

    Tem toda a razão, não foi minha intenção tornar o messianismo uma exclusividade ibérica. Apenas queia demosntrar que o Encoberto não surge com D. Sebastião.
    Aliás, nem me parece que o messianismo tenha uma paternidade hebraica. O termo sim, o fenómeno não.
    Se formos até ao México pré-colombiano, rapidamente nos apercebemos de um fenómeno semelhante. Os aztecas, por exemplo, recuperando parte da mitologia maia, acreditavam numa segunda vinda de Quetzalcoatl (a Serpente Emplumada), rapidamente identificada com Cortez.
    Penso que o "messianismo" se explica pela necessidade de tornar a divindade tangível e responder assim aos anseios humanos, muitas vezes vítimas da arbitrariedade divina.

    Cumprimentos

     
  • At 10:18 da manhã, Blogger Kisa said…

    concordo plenamente na necessidade que os homens têm de acreditar em algo suficientemente real para operar um «milagre tangível» desejando e esperando, por isso, um salvador (portanto o messianismo pode ser considerado um anseio da humanidade).

    Não sei se concordo tanto que somos «vítimas da arbitrariedade divina» ou se apenas necessitamos de culpar «algo ou alguém» pela nossa incapacidade de viver e ser feliz mesmo que para isso não saibamos nem compreendamos tudo o que nos rodeia e sentimos.
    Penso que isto está na origem das crenças e religiões e no estabelecimento de regras pelos homens que nada têm de «divino ou vontade de Deus» mas apenas vontade dos homens exercerem o seu poder e controlo.

    Peço desculpa pela divagação, mas ainda este domingo ouvia palavras bíblicas em que era referido que de nada valem religiões cheias de regras sobre como se deve viver se não houver Amor nos nossos actos.
    (claro que se pode sempre considerar que a Bíblia foi escrita por homens... mas cada um tem a sua fé)

     
  • At 1:00 da tarde, Blogger foxglove said…

    Cara amiga:

    Quando falo em "arbitrariedade divina", refiro-me à incapacidade de compreender a fé à luz de uma relação causa-efeito. Apesar de considerarmos a fé como algo irracional, ou seja, não sujeita a um processo racional/científico, a verdade é que o Homem, para não se sentir perdido, necessita submeter a sua fé à razão. Por outras palavras, quando pedimos um milagre, temos de fazer para o merecer. Somos incapazes de admitir que um milagre possa acontecer por si próprio, ou seja, ele é um efeito causado.
    É neste sentido que falo em "arbitrariedade divina".
    Passando agora para o plano da crença pessoal, também não acredito que exista uma "arbitrariedade divina", há é um forte desconhecimento dos planos divinos, os quais superarão sempre a nossa capacidade de entendimento.

    Cumprimentos

     
  • At 1:23 da manhã, Blogger Recuemos... said…

    Caros amigos, fica esta sugestão: "D. Sebastião na História e na Lenda", de Mário Saraiva:

    http://www.lusitana.org/il_ms_1985_sebastianismo.htm

     
  • At 4:35 da tarde, Blogger TA-SE(xto) said…

    Olá!
    Chamo-me Mónica e tenho 13 anos. No âmbito da disciplina de História, estou a realizar um trabalho de pesquisa sobre o Sebastianismo e os Falsos D.Sebastião - mais precisamente o da Ericeira que considerei o mais relevante.
    Gostei muito do artigo e irei utilizar algumas das suas ideias para realizar o meu trabalho - com a devida bibliografia é claro!
    Escrevo este comentário para solicitar a sua ajuda: queria saber mais sobre os Falsos D.Sebastião e como me pareceu ter encontrado aqui uma fonte segura de pesquisa, pensei que me podesse ajudar.
    Espero resposta!
    Obrigada!

    P.S:. Sou da Escola Básia 2,3 de Azeitão e a minha turma tem um blog - a "SALA 16" - que já dura há 3 anos! Se puder visitá-lo este é o endereço: www.sala16.blogspot.com. Nós somos do 8ºA e intitulamo-nos "A-Team". Mais uma vez, obrigada!

     

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