Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, julho 28, 2006

Artigo de Opinião - Maravilhas da Participação Cívica -



No passado Domingo, dia 23, tive oportunidade de ir até Óbidos, onde se dava o encerramento do V Mercado Medieval. Desde 2002 que esta autarquia vem apostando neste evento, que, no seu quinto ano de organização, conta já com uns quantos milhares de visitantes que vêm de todos os lados, engarrafando os acessos e atestando os estacionamentos. Já havia visitado a Feira Medieval de Montemor-o-Novo, bem como a de Castro Marim, e, cada uma a seu jeito, justifica sem dúvida a fidelização de um público crescente, que marca presença anual.

Naturalmente que, no caso das autarquias promotoras, este evento tem de constar no programa orçamental antes mesmo de se pensar o programa cultural correspondente. Na verdade, os custos envolvidos obrigam a que se encare este tipo de evento como uma aposta estratégica concreta e objectiva quer na promoção da localidade e no fomento ao turismo, quer na dinamização do comércio e participação activa da comunidade local. À partida são só vantagens. Vem gente de fora que começa logo por encher os parquímetros, que paga depois bilhete para entrar no recinto, que enche os restaurantes, cafés e tabernas, que anima o comércio de artesanato local, que compra em todas as tasquinhas montadas pelos populares… E quanto mais for oferecido ao transeunte, mais dinheiro este por lá larga. Não sei até que ponto a autarquia reavê o seu investimento, tendo em conta as despesas logísticas para acomodar o mercado e mascarar a vila, as despesas de contratação dos grupos de animação especializados, e, quando mais não seja, o desmontar e as limpezas finais. No entanto, e tendo em conta que se trata de um investimento cultural e turístico, se a população e o comércio local ficarem a ganhar, então a autarquia cumpriu com a sua obrigação e esse é o seu melhor lucro.



Nenhuma descrição, por resumida que se tente, poderá dar uma verdadeira ideia da variedade de atracções que por lá se vê. De artesãos vários (marceneiros, ceramistas, latoeiros, ourives, boticários, tecelões, etc.), passando por cartomantes, escribas, comerciantes estrangeiros de produtos árabes, vendedores de inúmeros tipos de ervas para chá, frutos secos, doces, sangria, limonada, de tudo se vê pela vila fora, antes mesmo de se entrar no recinto do mercado, dentro do castelo. As várias casas de comércio, abertas durante todo o ano, associam-se ao espírito reinante mascarando o seu exterior, multiplicam-se os figurantes que se passeiam pela vila, vestidos a rigor com trajes da época, são nada mais nada menos que os habitantes de Óbidos aderindo à festa. Ao centro do largo da Igreja principal encontra-se um pequeno estábulo com animais de quinta (principal atracção para os mais pequenos), bem como uma pequena arena de areia onde se organizam jogos tradicionais e fazem pequenas peças de teatro. Em volta dominam os grupos e associações locais, dispondo as suas tascas de comes e bebes, bem como as bancas de venda de artesanato.



Quando se entra no castelo, depois de pagar 3 euros por pessoa, temos acesso a um mundo completamente transformado. Aí, para além das múltiplas e variadíssimas bancas de artesanato, bem como das casas de pasto onde se come carne retirada de uma grande peça a assar num espeto à nossa frente, encontramos vários grupos de percussão e gaitas de foles tocando incessantemente, bem como a atracção principal, ou seja, a actividade dos referidos grupos de animação contratados. Trazendo material próprio, estes profissionais do “Recuo” montam tendas de campanha medievais, montam estruturas de apoio para jogos e teatralizações que constem do programa a cumprir, fazem desfiles com músicos e instrumentos da época, com cavalos, com soldados, pajens, damas e nobres todos trajados a rigor, sem esquecer as encenações de doentes com peste, duelos, o jogo da Távola a cavalo, etc, etc, etc… Em dias de semana, as festas decorrem entre as 17 e as 24 horas, ao fim-de-semana entre as 12 e as 24 horas.



Vamos então falar de Torres Novas. A um torrejano que visite este tipo de evento, não será difícil começar a projectar algo do género no castelo da sua cidade. Imagina uma série de bancas que partem da Praça 5 de Outubro, subindo pela ladeira, em ambos os lados, em direcção ao castelo. Imagina o adro de Stª Maria com os muros ponteados por tochas, onde se façam jogos tradicionais de dia e teatro à noite, imagina as escadas do castelo cheias de gente que sobe e desce do seu interior. Lá dentro os cortejos, as tendas, os duelos, os cavalos, os malabaristas, os archotes nas muralhas, nas torres, alumiando a noite. No túnel, pouco iluminado, o acesso às traseiras do castelo, onde mais bancas de comércio medieval se podem encontrar, as videntes, os “leprosos”, os frades, uma série de forcas montadas com bonecos pendurados… Não é nada difícil imaginar um castelo vivo em Torres Novas.

Não está em causa se é um recinto mais ou menos agradável, ou se a sua envolvência é mais ou menos propícia. Na verdade, o castelo de Torres Novas tem todas as condições para se tornar um perfeito anfitrião e da sua envolvência não se dirá menos. O que está de facto em causa é o lado humano de tal evento. Até que ponto os torrejanos estariam dispostos a enfiar uns farrapos e ir gozar um verdadeiro Carnaval? Até que ponto as associações locais estariam dispostas a marcar presença e a submeter-se ao espírito do evento? Até que ponto os funcionários da Câmara estariam dispostos a ter uma participação activa, independentemente de integrarem ou não o departamento cultural? Até que ponto os artesãos da terra estariam dispostos a aplicar a sua arte ao tema e a fazer demonstrações durante dois ou três dias perante os transeuntes? Até que ponto os comerciantes interiorizariam o espírito do evento e adaptariam os seus estabelecimentos? Até que ponto os estabelecimentos de ensino participariam nesta festa? Numa pequena localidade como Óbidos, a participação cívica tem feito alguns pequenos milagres…



Não tenho dúvidas de que este tipo de organização não se completa com uma tentativa apenas. Para além de carecer de uma certa intencionalidade estratégica, que se converta em financiamento e num determinado esforço de organização, o seu aperfeiçoamento vem da persistência e da experiência adquirida, dos contactos recolhidos, dos orçamentos conhecidos e das impressões auscultadas de um ano para o outro. Tudo, por forma a criar mais um evento, mais uma atracção, mais uma razão para viver a cultura e a própria cidade. Acima de tudo, uma forma de resgatar o castelo da sua imensa solidão.

2 Comments:

  • At 9:38 da tarde, Blogger foxglove said…

    Atão, amigo, abalou da blogosfera?

     
  • At 1:21 da tarde, Anonymous Sonia said…

    Olá Carlos,

    Esta vivência medieval é possível. Eu também a imaginei... É possível chamar as escolas ao castelo, ele tem condições para as receber. Agora, é preciso apresentar projectos, colocar mãos à obra. A minha experiência mostrou-me que tudo isso é possível. No ano lectivo de 2007/2008 foi realizada uma Feira Medieval no Jardim da Escola Superior de Educação de Torres Novas, levado a cabo por dirigentes e professores do Colégio Andrade Corvo, que só não aconteceu no Castelo porque ele ainda nao estava pronto para nos receber (estava em obras), mas o pedido à Câmra foi feito e foi aceite. A experiência foi fantástica, mais de 100 figurinos, alunos e pais estavam fascinados!Haja vontade e gosto pela História.

    Cumprimentos,
    Sónia

     

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