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ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, junho 30, 2006

- Lembrar a Rainha Santa -



Neste 4 de Julho, a Igreja assinalará o dia em que faleceu Dª Isabel de Aragão, a Rainha Santa. Nenhuma outra é tão lembrada e acarinhada pelo povo, entre o qual se completou como pessoa e cumpriu enquanto rainha. Vamos recorda-la pois, 670 anos decorridos da sua morte.

“Rainha Santa Isabel” foi o nome escolhido para baptizar o novo hospital de Torres Novas, à semelhança de inúmeros outros casos no país. Uma homenagem que se quis prestar a esse vulto da História, na qual se destacou pelo exemplo de atenção, cuidado e amor aos demais, digamos que, um pouco à semelhança do que se espera de um hospital. Isabel, (que significa “promessa de Deus”) filha do rei de Aragão, D. Pedro III, nasce no ano de 1271. Descendente dos imperadores germânicos, por via materna, recebera o seu nome por deferência à sua tia-avó Isabel da Hungria, já então considerada santa pelo exemplo de caridade e abnegação que revelara ao longo da vida. Entregue ao seu tio Tiago I, fervoroso devoto, Isabel de Aragão será educada no rigor da oração aliada à auto-disciplina, revelando desde cedo um especial empenho e vocação para a Fé, na senda do exemplo da tia húngara.

Contava apenas 12 anos quando recebeu o pedido de casamento da parte de 3 príncipes, entre eles, o nosso D. Dinis. Ao português os reis de Aragão haveriam de consagrar a mão da filha, dada a proximidade e as boas relações desejadas entre os reinos. Casados por procuração a 11 de Fevereiro de 1282, apenas 4 meses depois ela atravessaria a fronteira, por Trancoso, afim de celebrar o acontecimento. Trancoso seria então incluído no dote oferecido por D. Dinis à rainha, assinalando o seu local de entrada no reino. Se se previa um percurso de santidade para Isabel, a vivência junto do rei de Portugal haveria de constituir plena oportunidade para essa consagração. Na verdade, D. Dinis cedo se revela um homem violento, infiel e de má vontade no seu casamento. É conhecida a numerosa prole desse rei, que, mantendo diversas relações extra-conjugais, acabava produzindo uma descendência ilícita que trazia para a Corte. Aqui se destaca o comportamento da rainha, que, apesar de humilhada, terá mantido o respeito e a bondade para com D. Dinis, acolhendo, amando e educando os filhos ilegítimos do marido, como se seus fossem.



À luz deste comportamento o rei oscilava o seu, assim, ora numa profunda admiração, ora dando atenção a intrigas na Corte, ia respeitando ou mal tratando Dª Isabel. Ainda assim, D. Dinis respeitava a vivência devota da rainha, que se desdobrava em desvelos entre a orientação da residência e da família real e a atenção aos necessitados. A leitura e a meditação espiritual alternava com a assistência à família, mas, sobretudo, com as obras de caridade que produzia com outras damas da Corte. Confeccionando roupas para pobres, visitando enfermos e idosos, patrocinando a construção de albergues ou um hospital para os mais necessitados, escolas, um lar para meretrizes convertidas, outro para órfãos, para além de conventos e de todo um trabalho junto das ordens religiosas.

Em poucas palavras se poderá contar o sobejamente conhecido “milagre das rosas”, a ela atribuído. Consta que uma das suas obras de caridade consistia na distribuição assídua de pão pelos mais pobres. Sendo o ano de 1333 um ano de carência e maior fome, ter-se-á o rei oposto a este tipo de prática, que constituiria grande despesa para a sua Casa. Isabel terá então vendido algumas das suas jóias para poder comprar trigo, que lhe permitisse manter o hábito. Ora, num desses momentos de distribuição o rei terá aparecido, indignado, reagindo a rainha com a ocultação dos pães que trazia consigo no regaço, procurando evitar a censura do marido. Percebendo o seu gesto apressado, D. Dinis terá perguntado – Que tendes em vosso regaço senhora? – Ao que Isabel teria respondido – São rosas senhor…! – Rosas em Janeiro?! Deixai que as veja então! – E soltando as vestes, eram de facto rosas que caíam ao chão. Trata-se de um conto popular que perdurou sempre, mas que alguns apontam ter sido uma colagem de um episódio ocorrido com Isabel da Hungria, sua tia e não com a nossa rainha.

Seja como for, não precisaria de alguma vez ter transformado pão em rosas para que recebesse justamente uma tal admiração. Isabel de Aragão teve uma preponderância decisiva em vários momentos de luta eminente no reino. Dera dois filhos a D. Dinis, Constância, futura rainha de Castela, e Afonso, futuro rei de Portugal. Será este último, que, movido pelo ciúme que lhe causava a preferência que D. Dinis dedicava a um dos seus filhos bastardos (D. Afonso Sanches), moveria uma campanha militar contra o rei, pretendendo que este abdicasse em si o trono. Isabel intervém, procura demover o filho de tais intentos e concilia-lo com o pai. Ainda assim, chega a ser acusada de se unir ao infante, o que lhe vale a desconfiança do marido e a ordem de expulsão para a província. Acabando por lhe ser reconhecida a inocência, Isabel retorna e consegue então amenizar um pouco as relações entre o marido e o filho. Consta que, estando ambos os exércitos preparados para combater, na zona de Alvalade, Lisboa, a rainha ter-se-á aproximado de ambos, ajoelhando-se em pleno campo de batalha e rogando para que se entendessem.

À paz assinada no decorrer desse episódio, em 1325, seguiu-se a morte do rei, nesse mesmo ano. Isabel parte então em peregrinação a Santiago, onde, entregando a sua coroa ao arcebispo, obtém permissão para vestir o hábito das clarissas. A partir de então, Isabel recolhe ao convento franciscano de Stª Clara, em Coimbra. Dedicará o seu tempo ao aprofundamento da Fé, lendo sobre os Santos, desenvolvendo outras obras e saindo em peregrinação. Num derradeiro esforço de pacificação, Isabel sai ao encontro do seu filho, que havia declarado guerra ao rei de Castela, seu primo. Conseguindo uma vez mais garantir a paz, Isabel, já com 65 anos, não aguenta as exigências da caminhada e acaba por falecer, a 4 de Julho de 1336. É por vontade sua sepultada em Stª Clara. Em 1516 é beatificada pelo Papa Leão X e cerca de um século depois, Urbano VIII procede à sua canonização.


Túmulo gótico de Dª Isabel de Aragão. Autoria de mestre Pêro, 1336.

3 Comments:

  • At 12:17 da manhã, Blogger foxglove said…

    Tem razão, o milagre das rosas é atribuído a Isabel de Portugal, mas, efectivamente, terá ocorrido com a sua tia, Isabel da Hungria.

    Cumprimentos

     
  • At 10:52 da manhã, Blogger Kisa said…

    A Rainha Santa Isabel e o Rei D. Dinis ficam ainda «terrivelmente» associados à história de Portugal pela introdução do Culto do Divino Espírito Santo e pela institucionalização da língua portuguesa como oficial e ensinada nos Estudos Gerais ou Universidade laica portuguesa. A língua enquanto elemento fundamental da nacionalidade, o culto do Paraclético enquanto vivência espiritual própria e algo «independente» de Roma. O cristianismo português afastava-se da ortodoxia da Igreja católica.

    Mais do que lembrar as pessoas pelo seu carácter, penso que as devemos lembrar pelos seus feitos e contribuições para o que somos hoje em dia. E se é verdade que a Festa dos Tabuleiros perde a sua característica paraclética ao «dobrar-se» perante os media e o lucro comercial, também é certo que as Sanjoaninas da Terceira ou da Nova Inglaterra mantém uma tradição de séculos.

    É isto o que somos! e o devemos a grandes figuras...

     
  • At 10:20 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Rainha Santa Isabel
    Ministra VENERANDA

     

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