Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sábado, junho 17, 2006

- Santo António de Lisboa ou Pádua? -



"A paciência é o baluarte da alma, ela a fortifica e defende de toda perturbação." Eis uma frase atribuída ao Santo que agora se celebra. Vamos procurar rever o percurso e obra do homem que a Igreja mais depressa santificou.


Fernando Martins de Bulhões, é o nome que recebe à nascença, pensa-se que em Agosto que 1195. A esse tempo vivia-se o ímpeto guerreiro das cruzadas, vindo a aristocracia de toda a Europa com o fim de combater os muçulmanos a Sul. Estes, por sua vez, proclamavam a Jihad contra os infiéis cristãos, medindo forças também na Península Ibérica, com os reis de Portugal e Castela. É neste contexto que nasce o pequeno Fernando, numa Lisboa ainda com pouco tempo de domínio cristão, mas com uma estrutura clerical em rápido desenvolvimento. Nascendo numa família de ascendência nobre, Fernando vive comodamente no bairro da Sé, com os pais e uma irmã, Maria, até aos 15 anos, durante os quais frequenta a escola da Sé. É, por isso, cedo que decide prosseguir os estudos no meio religioso, integrando os Cónegos Regrantes de Stº Agostinho, no Mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Em 1211 e contando cerca de 16 anos, Fernando ruma a Coimbra, ao mosteiro de Stª Cruz, em busca da maior biblioteca eclesiástica então existente no país. Completamente absorvido na leitura, entrega-se ao estudo das muitas obras que lê e conhece como poucos. Assim, 8 anos depois, Fernando era ordenado sacerdote.


Mosteiro de Stª Cruz de Coimbra.

Contemporâneo de Fernando Martins de Bulhões, outro religioso teria abandonado a casa abastada dos pais para se dedicar à meditação e à vivência monacal. Falamos de Francisco de Assis, um puritano que busca no exemplo de Cristo e dos primitivos cristãos, um ideal de pobreza e abnegação esquecido, promovendo a reaproximação da Natureza e dos homens. Esta nova reflexão sobre a vivência dos Evangelhos acaba por rapidamente atrair novos seguidores, que se multiplicam e partem rumo a outros países. Ora, foi já como sacerdote que Fernando toma pela primeira vez contacto com membros desta comunidade. Recebendo um dia alguns destes frades no mosteiro de Coimbra, agrada-se do seu modo simples e alegre de viver a Fé. Contudo, poucos meses depois desta visita, chegam a Coimbra as relíquias de cinco franciscanos, degolados nesse mesmo ano de 1220, no decorrer da sua missão em Marrocos. Fernando impressiona-se imensamente perante os cadáveres e com o martírio desses homens simples, logo resolvendo tomar o hábito franciscano.


Stº António recebendo os franciscanos.

Contando então cerca de 25 anos, Fernando integra esta Ordem, e, alterando o seu nome de baptismo para António, muda-se para o ermitério de Stº Antão dos Olivais, perto de Coimbra. Numa completa entrega ao seu espírito de missão, Frei António pede para partir quanto antes rumo a Marrocos. Pretende continuar a missão daqueles mártires que havia observado, na evangelização dos muçulmanos. Contudo, o projecto não lhe corre de feição e, chegando a Marrocos, em 1221, logo adoece com gravidade e vê-se obrigado a regressar a Portugal. Mas nem a viagem de regresso corre como desejado e, sofrendo uma violenta tempestade, a embarcação é desviada para o interior do Mediterrâneo, acabando por desembarcar na Sicília. Aí, Frei António é recebido no seio da comunidade franciscana, acabando mesmo por participar no “Capítulo das Esteiras”, uma grande reunião com cerca de 5 mil frades, que então ocorria em Assis, e tendo oportunidade de conhecer o próprio fundador da ordem, S. Francisco de Assis. Findo o encontro, Frei António passa então para o eremitério de Monte Paolo, onde permanece ao longo de 15 meses, empregando o seu tempo na meditação e nos trabalhos domésticos da comunidade. É desta forma que toda a sua sabedoria permanece desconhecida dos monges, que assinalam, contudo, a humildade constante daquele estrangeiro.


Convento de S. Francisco, em Assis.

Em 1222, António participa numa cerimónia de ordenação de frades, na cidade de Forli, sendo convidado para produzir a conferência espiritual. Aí, a sua dicção e o domínio das Escrituras que demonstrou ao discursar foi tal que pasmou toda a audiência. Não estavam preparados para que daquele monge discreto e modesto saísse tamanho dom para a pregação. Assim, ao longo dos 3 anos seguintes, Frei António percorrerá a Itália como pregador e mestre de Teologia, chegando a ser convocado pelo próprio Francisco de Assis para ensinar em Bolonha, Montpelier ou Toulouse. Com a morte de S. Francisco, em 1226, Frei António muda-se para a cidade italiana de Pádua, onde passa a produzir os sermões dominicais. Como resultado, a afluência às suas missas aumenta, mas aumenta de tal maneira que, em breve, terá de discursar em campo aberto, pois que nenhum templo comportava o imenso público que o procurava ouvir. A sua celebridade aumenta ao ponto de ser santificado, ainda em vida, pelo povo, que disputava por um simples pedaço do seu hábito como relíquia. São-lhe encomendados sermões pelo bispo de Óstia, o futuro Papa Alexandre IV, para serem lidos nas principais festas religiosas, documentos que escreve em 1229 e que constituem as principais fontes do Santo que hoje nos chegam.


Fachada da Igreja de Stº António, em Pádua.

Em 1231 deu-se a consagração da sua santidade, quando, ao fazer o discurso da Quaresma, em Pádua, é assistido por uma verdadeira e crescente multidão, facto que tem sido apontado como uma espécie de segunda fundação cristã da cidade face ao número de conversões que produziu. Contudo, é também nesse ano, em inícios de Junho (13 de Junho), que o frade adoece e sucumbe nas imediações de Pádua, proclamando-se a “morte do Santo” pela cidade. Certo, é que foi canonizado antes que se completasse um ano da sua morte, a 30 de Maio de 1232, o que nem com S. Francisco de Assis acontecera. O sepulcro, conforme sua vontade, foi erigido em Pádua, onde ao longo do tempo foi sendo alvo de grande oração e peregrinação, na Igreja de Santo António. Por outro lado, a Igreja de Stº António de Lisboa, foi erguida sobre a sua casa, também alvo de intensa peregrinação. O dia 13 de Junho é, pois, a data de celebração do santo em Lisboa e Pádua, as cidades que o viram nascer e morrer.

4 Comments:

  • At 11:23 da tarde, Blogger foxglove said…

    Amigo:

    É um nadinha difícil o Palace Hotel do Buçaco converter-se no Mosteiro de Stª. Cruz de Coimbra, certo?

    Cumprimentos

     
  • At 11:25 da tarde, Blogger foxglove said…

    Vai-me desculpar novamente, mas não creio que Stº. António tenha, alguma vez, vestido o hábito dos dominicanos.

    Cumprimentos

     
  • At 5:06 da tarde, Blogger Recuemos... said…

    Tem razão... Procurei uma imagem do mosteiro, apareceu isto e nem confirmei se era ou não. Obrigado pela atenção. Já lá está a imagem certa.

    Quanto ao hábito..foi o melhor que encontrei para dar uma ideia de como poderá ter sido esse momento. Como explicito bem no texto que dos Agostinhos Frei António passou para os Franciscanos, ninguém será levado ao engano.

     
  • At 7:32 da tarde, Blogger foxglove said…

    Satisfeito.

    Cumprimentos

     

Enviar um comentário

<< Home