Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

quinta-feira, junho 01, 2006

-Quem foi o "Infante Santo"? -


Infante D. Fernando nos painéis de S. Vicente.

Da História das nações não rezam apenas glórias e seus heróis. Momentos há em que as nações se desprestigiam e os heróis falham. Portugal não foi excepção e o Infante D. Henrique também não.

É bastante comum encontrarmos referências a um tal “Infante Santo”. No nome de colégios, estabelecimentos comerciais, hospitais e clínicas, ruas e avenidas, trata-se de uma presença mais ou menos constante, cuja origem, contudo, se perde na sabedoria popular. Tempos houveram em que o seu nome foi elevado bem alto na tradição e no coração do povo. Esse nome era Fernando, filho de rei e santo pelo martírio. Era o irmão mais novo entre a chamada “Ínclita Geração”, ou seja, entre os filhos de D. João I, o Mestre de Avis, com a rainha Dª Filipa de Lencastre, em inícios do séc. XV. Entre tão notáveis irmãos, onde se incluíam o Infante D. Henrique, D. Pedro, duque de Coimbra ou o próprio D. Duarte, futuro rei, o jovem Fernando sobressai pela sua fragilidade, uma saúde débil que lhe vale a atenção e carinho redobrado. Contudo, o infante vinga e fortalecesse-se física e espiritualmente. Na verdade, o jovem cultivava uma forte religiosidade, ocupando-se essencialmente em obras e iniciativas piedosas. Muito cedo o seu pai o faz mestre da Ordem de Avis, procurando compensa-lo pelo facto de ser o último dos filhos e, como tal, aquele que menos beneficiaria em relação aos irmãos. Não obstante, Fernando não se contentava com estas honras, aspirando a maior prestígio e glória, à semelhança dos irmãos e projectando, para isso, partir ao serviço do Papa ou de outros reis europeus.

Estando nestes intentos, o jovem infante acaba, no entanto, por decidir ficar. Tomara conhecimento da mais recente empresa do seu irmão Henrique, que, então, preparava uma expedição ao Norte de África, à conquista de Tânger. Era uma boa oportunidade de se revelar e prestar importantes serviços ao reino, podendo fazê-lo ao lado do irmão e ao serviço de Portugal. Apesar das tentativas do, já então, rei D. Duarte, seu irmão, para o dissuadir de participar, o jovem acabou por levar a melhor, obtendo licença para partir. Assim, sob comando do Infante D. Henrique, a armada parte do porto de Lisboa, a 22 de Agosto de 1437 e levando a bordo o Infante Fernando. Sucede que a expedição não correu como o Infante D. Henrique planeara, e, uma vez em Tânger, as tropas portuguesas foram atacadas por tão grande número que, a alternativa a uma chacina geral seria mesmo a rendição incondicional. Foi o que D. Henrique fez, terminando o confronto.


O Infante D. Henrique.

É aí que se dá um momento singular na História militar portuguesa, embora pelo seu lado menos glorioso. O Infante D. Henrique, mestre da Ordem de Cristo, senhor de inúmeras riquezas, promotor e principal ideólogo da empresa dos Descobrimentos, ao tentar negociar a sua libertação, confronta-se com a exigência, por parte do governador de Tânger, da devolução da importante cidade de Ceuta, anteriormente conquistada pelos portugueses. Ora, não podendo garantir tal devolução sem que o propusesse ao seu rei e irmão, D Duarte, pede ao chefe mouro que o deixe partir e às suas tropas, deixando-lhe, como garantia de sua palavra, o seu próprio irmão, o Infante D. Fernando.

Parte então o Infante D. Henrique, junto com toda a sua armada rumo a Portugal em busca do rei. Mas, em Portugal, a situação foi recebida num misto de indignação e discórdia. Dava ideia que o ultraje de ter um príncipe português nas mãos dos "infiéis", de alguma maneira se minimizaria face à importância estratégica de Ceuta e ao interesse da sua permanência no domínio de Portugal. A verdade é que a situação que D. Henrique trazia às cortes não parecia ter resolução fácil, uma vez que as vozes se dividiam entre a cedência imediata aos mouros e, por outro lado, a recusa de cedência, procurando resgatar o infante de outra maneira. Sucede que, quando se preparava para dar ordem favorável à troca incondicional, D. Duarte morre, deixando o reino sem uma liderança forte, tendo em conta que o herdeiro, D. Afonso, era ainda uma criança. É assim que a situação de indecisão se arrasta indefinidamente. Tenta-se ainda o resgate do infante de forma secreta, contudo, descoberta a acção, tudo piora para D. Fernando.


Tanger

Verificando que Portugal não tinha qualquer intenção de cumprir com a sua parte do acordo, os mouros reflectem a sua fúria no cativo, intensificando, a partir daí, maus-tratos e desconsiderações de todo o tipo sobre Fernando. Encerrado numa torre e posto a ferros, o infante sofre fome, sede, agressões, humilhações de toda a sorte, é escravizado, forçado a pesados trabalhos agrícolas, a limpar cavalos e estrebarias, etc. Ainda assim, e aceitando tudo isto com pacífica resignação, o infante chega a escrever ao seu irmão, o rei D. Duarte, pedindo-lhe que não cedesse, pois que Ceuta era mais importante que a sua vida. Durante seis anos, este homem, filho de rei, permanece ao livre dispor do principal inimigo de Portugal, que lhe faz sentir na carne todas as humilhações e sofrimentos que a medida do ódio muçulmano então comportava. Assim, tendo passado uns derradeiros 15 meses encerrado num cárcere de Fez, isolado, escuro e sem qualquer contacto humano, o infante acaba por morrer, contando apenas 41 anos, a 5 de Junho de 1443. Muitas foram ainda as malfeitorias que os mouros fizeram ao cadáver, embalsamado e exposto em público, pendurado às avessas, nu, à porta da cidade para chacota popular. Seria apenas resgatado largos anos depois, já ao tempo das expedições africanas de D. Afonso V, seu sobrinho.

Para a História e para que conste também, fica a atitude do Infante D. Henrique, que tendo pronto trocado a sua liberdade pelo cativeiro do irmão, foi capaz de viver e permitir que o reino vivesse, apesar do martírio do infante e até que tudo esquecesse. Contudo, e tendo nunca esquecido tal martírio e tamanha abnegação, o povo, esse o elevou a santo e “Infante Santo” ficou, até hoje, 563 anos passados da sua triste morte, que agora se assinala.

12 Comments:

  • At 11:44 da tarde, Blogger foxglove said…

    Estimado amigo, cá estou eu outra vez!!

    Acho um pouco anacrónica a imagem algo facínora que apresenta do Infante D. Henrique, ao deixar como penhor a vida do irmão.
    De facto, era banal deixar elementos da família como caução em caso de tratado, ou em simples dívidas.
    Vejamos por exemplo as chamadas "terçarias" de Moura em que foram deixados à guarda de D. Isabel de Bragança o herdeiro da coroa portuguesa e a filha dos reis católicos (1479).
    Outro exemplo, entre vários, podemos colhê-lo na figura do último rei de Granada, "Boabdil" (Muhammad XIII),que foi criado na corte castelhana por ter sido entregue como garantia num tratado de paz firmado com Castela.

    Por outro lado, o "martírio" do infante D. Fernando, parece-me mera propaganda da corte portuguesa para distrair do facto de nunca terem feito nada de significativo para o tentar resgatar.
    De facto, aquando das exéquias solenes deste infante, no mosteiro da Batalha foi montado um aparatoso espectáculo, com os clérigos paramentados de vermelho, côr utilizada nas celebrações por intenção dos mártires.
    O facto de o infante escrever do cativeiro dizendo para não entregarem Ceuta, trata-se de outra manobra propagandística, porque, jamais, alguém teve a intenção de devolver a praça.

    Relativamente ao martírio, os mouros não lhe fizeram nada fora do vulgar para a época. A execução do duque de Bragança, em Évora, no reinado de D. João II não foi menos ignominiosa...

    Resumindo, acho que a questão não está em D. Henrique ter ou não ter deixado o irmão em Marrocos, está em não fazer nada para o resgatar.

    Cumprimentos

     
  • At 1:34 da manhã, Blogger Recuemos... said…

    Não se trata de uma "imagem facínora". Longe de mim reduzir esse bastião da glória nacional a um malandro sem escrúpulos.

    Você começa por defender D. Henrique, achando que estou a exagerar, mas depois refere "propagandas" de Corte "(...)para distrair do facto de nunca terem feito nada de significativo para o tentar resgatar". Ora, em boa medida, o Infante D. Henrique (e sua clientela), era "a Corte" em Portugal, especialmente depois da morte do rei/irmão. D. Henrique não moveu o seu verdadeiro poder no reino. Ele próprio não estava disposto a perder Ceuta, contando resgatar o irmão de outras maneiras.

    Em 1438, apenas um ano depois do desaire, já o Infante andava aqui, por Torres Novas, em Cortes, afim de discutir a regência do reino.

    Os exemplos que dá não servem de sustento para afirmar que "era banal" deixar um cristão, filho de rei, ao livre dispor das mãos de muçulmanos. Tratar-se-ía de uma desonra política, mas acima de tudo religiosa, que nada tem de "banal".

    O culto ao martírio de D. Fernando não sai da Corte mas sim de entre a população, que, essa sim, se indigna com o sucedido, bem como com a indecisão do rei sobre o que fazer. A Corte tinha outros interesses a acautelar e outras prioridades para além da integridade do infante.

    Oh amigo, mas que raio de comparação, ir bucar a execução, por traição, do Duque de Bragança e compara-la com o cativeiro, a escravidão e o tratamento desonroso dado ao cadáver do infante em terras muçulmanas...
    "Fora de vulgar" é, isso sim, a permanência do infante por lá até à morte.


    Por fim, vocÊ vem uma vez mais concordar comigo. Não disse aqui que a desonra de D. Henrique esteja na sua troca, apesar de me parecer uma atitude muito cómoda para um irmão mais velho e que poderia ter lá ficado como penhor. Sublinhei, sim, o facto de ser "capaz de viver e permitir que o reino vivesse, apesar do martírio do infante e até que tudo esquecesse." E é aí que está a queda do herói.

     
  • At 9:49 da tarde, Blogger foxglove said…

    Estimado amigo!

    Dos dois exemplos que lhe dei, bastava o das terçarias de Moura. Desta vez não estava em causa a perda de uma praça africana, mas de todo o Reino. Obviamente que não é comparável a um cativeiro em terra de mouros, não pelo tratamento, mas pela estranheza de costumes. Tanto quanto sei, D. Fernando foi tratado com todas as honras até à tentativa de evasão. Esta parece ser uma das razões (o bom tratamento)para que o cativeiro tivesse durado 6 anos e não 2 ou 3.
    Continuo a afirmar que a "canonização" do Infante foi uma manobra de propaganda cortesã. Basta ver a posição tomada pelos concelhos de Lisboa, Porto e Lagos nas cortes de 1439. Quando posta à consideração pelo infante D. Pedro a conservação de Ceuta ou a liberdade de D. Fernando, optaram com veemência pela primeira opção.
    Logo, os povos das mais populosas localidades do Reino (por coincidência portuárias = comércio), resolveram votar pelo mal menor. Por favor, não me venha dizer que foi com lágrimas no olhos...

    Quanto à casa senhorial do infante D. Henrique, era muito numerosa de gentes, mas mais numerosa e influente era a do infante D. Pedro. Assim, parece-me ousado dizer que "em boa medida, o Infante D. Henrique (e sua clientela), era "a Corte" em Portugal, especialmente depois da morte do rei/irmão".

    Relativamente à execução do duque de Bragança, foi para demonstrar que não só os muçulmanos podem ser cruéis com prisioneiros cristãos, mas também os cristãos entre si. Ou seja, o Infante sofreu o tratamento comum para a época. A partir do momento em que traiu a confiança do rei de Fez, foi tratado, obviamente, como traidor. O mesmo acontecera, séculos antes, a Geraldo Sem Pavor, aprisionado pelos almoadadas em Marraquexe e executado por traição ao califa.

    Ninguém os mandou ir tentar conquistar terra alheia...

    Relativamente à desonra religiosa, deixe-me que lhe diga, sempre foi um pormenor de somenos importância na política. Recordo-lhe o exemplo do católico Francisco I de França que pactuou com turcos e hugenotes para minar a autoridade de Carlos V. Lembro-lhe ainda as súbitas mudanças de fidelidade entre Avinhão e Roma, de D. Fernando; das in(fidelidades) do Cid Campeador e muitos, muitos outros.

    Relativamente à troca, não me parece que tenha existido. Simplesmente acordou-se que seria D. Fernando a ficar em Marrocos. Era o "Benjamim" que menos deixaria a perder ao ficar cativo. Ou seja, dos irmãos, era o menos relevante em termos políticos. Este seria o pensamento de um "homem de estado" medieval.

    Lamento a forma cínica com que compreendo esta história, mas creio que é a mais verosímil.

    Cumprimentos

     
  • At 3:39 da tarde, Blogger Recuemos... said…

    Não tem nada que lamentar. Importante é assumirmos que, para além dos factos, tudo o resto é um exercício de interpretação pessoal…e cada um só pode ver com os olhos que tem.

    Bom, quando lhe dizia que “os exemplos que dá não servem de sustento para afirmar que "era banal" deixar um cristão, filho de rei, ao livre dispor das mãos de muçulmanos”, o que quero dizer é somente isto, o hábito que refere de se deixarem elementos da família como “caução”, cumprindo trabalhos de todo o tipo em benefício dos tutores, sucedia entre as várias classes sociais e sucede há milénios em várias civilizações e entre várias tribos. Contudo, a grande diferença, que separa uma prática corrente, de um acontecimento raro, é a de que não se podem comparar as relações de confiança estabelecidas entre membros de uma realidade religiosa, política e social específica (como no caso das “Terçarias”), com os códigos de conduta em caso de guerra, que é o caso. O facto de terem ocorrido alguns casos destes na História, não torna este tipo de prática um acontecimento banal, e muito menos comparável com as referidas relações de confiança entre membros de uma mesma comunidade, onde se verificava corrente o tal tipo de “caução”. O que temos aqui, repito, é uma desonra política e religiosa que advém de um desaire militar entre dois blocos que separavam o mundo de então, o que nos transporta para uma dimensão completamente diferente.

    Não, Fernando não foi tão bem tratado assim. Começando por ser encerrado numa torre em Tanger, passa para Arzila onde, ao longo de 7 meses, sofre todo o tipo de afrontas e ameaças, alternando com momentos de alguma consideração, dependendo do ímpeto de quem lhe tutelava o cárcere em cada momento. Passado este primeiro período, Zalah Ibn Zahlâ, senhor de Tanger, como não vendo uma atitude por parte de Portugal, e após tentativa de evasão, transfere-o para Fez, entregando-o ao famoso “Lazaraque”, um carcereiro muçulmano reconhecido pelo uso de meios bastante sangrentos. Seria aí que passaria o resto da sua vida, alternando entre a sua masmorra, posto a ferros à fome e sede, e o trabalho forçado no campo, latrinas, estrebarias, etc. Penso que, uma vez mais, isto não é de todo comparável com o caso das “Terçarias”, ocorrido entre a mais alta nobreza católica europeia, ou melhor, entre primos.

    Quanto à “canonização” cortesã… Naturalmente que ante a aclamação e indignação popular que então se vivia (não só pela morte indigna do infante mas essencialmente em face da discussão acesa sobre a regência de Portugal – o reino estava à beira de uma guerra civil), toda a corte se acabaria associando, procurando acalmar as hostes. Mas como deve imaginar, quando me refiro à “consagração do Infante Santo” não me refiro ao significado cortesão da coisa, que foi diminuto e pontual, mas sim à iniciativa popular, verdadeiramente responsável pelo enraizamento dessa tradição.

    De resto, se, como afirma, “não foi com lágrimas nos olhos”, para quê a “propaganda cortesã”?! A quem crê então que se dirigia essa propaganda se o povo das cidades preferia um “mal menor”? Aos povos ruais? Mas foi nas cidades que o culto popular ao Infante Santo floresceu e se mantém…

    Quando à questão de poder, entre o Duque de Coimbra e o Infante D. Henrique, não lhe disse que D. Henrique era dono de Portugal, mas sim que detinha “em boa medida” o poder no reino, o que é inequívoco. Mas não veja tal como uma oposição de interesses. Na verdade complementavam-se, D. Pedro dominando o Norte, D. Henrique o Sul. Os seus interesses não colidiam pois incidiam em objectivos diferentes. Contudo, certo é que D. Henrique detinha a influente Ordem de Cristo, não tinha fortuna inferior à do irmão e tinha relações cordiais com este. O que digo, pois, é que D. Henrique não movimentou essa influencia para garantir a integridade do irmão que condenou ao cativeiro.

    Quanto à execução do Bragança, volto a dizer que não é de todo comparável. O infante Fernando foi lentamente torturado, escravizado, despojado da sua dignidade, como se de um miserável se tratasse. O Duque, que apesar da sua fortuna se vira contra o seu rei, porque não lhe agradava a perda de poder da nobreza em prol do poder centralizador do monarca, morre com uma simples punhalada e com a dignidade (para a época) de o ser pelo próprio rei, que traíra. Não há aqui uma crueldade gratuita nem humilhação, mas um acto de justiça por traição ao rei, o que era absolutamente legítimo.

    Quando à desonra religiosa, está a dar-me exemplos de alianças feitas entre reis? Mas que interessa isso? O facto de muitas alianças e estratégias políticas terem sido tecidas ao longo da História entre membros de religiões diferentes, não implica que estas se mantivessem indeléveis no processo. Tais alianças, como acções políticas que eram, começavam e acabavam justamente entre aqueles que as promoviam, não se estendendo ao povo que via nos africanos os “mouros”, os “infiéis”, os “destruidores de Cristo”.


    Finalmente quanto à troca, quando sublinhei a acção de D. Henrique, não estou a avaliar quem era “Benjamim”, ou o mais ou “menos relevante em termos políticos”, simplesmente a atitude de um homem. Ora isto não tem de estar exposto ao pensamento de um “homem de Estado” medieval ou moderno, mas sim ao pensamento de um homem, de um irmão e de um cristão. D. Henrique fraquejou, da mesma maneira que o tinha feito ao largar-se sobre Tanger de forma precipitada e sem experiência ou conhecimento suficiente sobre a praça, o que aliás é bem conhecido. D. Henrique poderia lá ter ficado, como forma de garantir a rápida resolução do caso, como elemento “mais relevante em termos políticos” que era. Mas, lá está, é a minha interpretação da opção do infante. Vale o que vale.

     
  • At 5:50 da tarde, Blogger foxglove said…

    Ok, ok...
    Tudo bem, mas aparte toda a argumentação rectórica que apresenta, que é muito boa - devo dizer-lhe que escreve muito bem - agradeço-lhe que me apresente factos que comprovem o que diz. Independentemente da qualidade dos exemplos que lhe apresentei, que pelos vistos não lhe dizem nada, agradecia que me apresentasse factos, pessoas, datas, coisas da História...
    Excluo a parte do cárcere de D. Fernando que documentou razoavelmente bem.
    Caso não o faça, admita que o que escreve se deve a uma interpretação meramente pessoal, às vezes bastante sentida...
    Acho que se se abstrair de questões comezinhas e do culto das personalidades, tem muito a dar à ciência. Bom, mas um blog é um blog...

    De qualquer modo, mantenho e reafirmo o que argumentei anteriormente.
    De facto, o cativeiro do infante não foi igual às terçarias, mas o princípio é o mesmo.
    Prova disso, é que D. João II se esforçou para acabar com elas. Era demasiado perigoso manter o herdeiro da Coroa Portuguesa sob a alçada de Isabel de Bragança.
    Logo que consegue a anulação das terçarias, executa o Duque de Bragança, em Évora, com alguns requintes de crueldade, poupando-o, porém à desonra da forca (foi decapitado). O duque de Viseu, esse sim, foi apunhalado por D. João II himself.
    Mais uma vez, voltando à figura do Infante D. Henrique, continuo a achar que não fez nada de extraordinário ao deixar o irmão cativo.
    Concordo, sim, que o desaire de Tânger é da sua responsabilidade. D. Henrique necessitava de uma cruzada urgente que lhe proporcionasse algum prestígio cavalheiresco.
    O facto de nunca ter sido nomeado mestre da Ordem de Cristo, mas antes administrador, será sempre uma pedra no seu sapato.
    Conta-se até que, após a tomada de Constantinopla pelos turcos, D. Herique terá enviado uma missiva (a meu ver patética), notificando o sultão para a guerra. Obviamente, caso a carta lhe tenha chegado às mãos, o sultão deve ter rido até não poder mais...

    Gostei da expressão "destruidores de Cristo", logo que tenha oportunidade vou usá-la.

    Cumprimentos cordiais e um agradecimento genuíno pelo debate

     
  • At 9:32 da tarde, Blogger Recuemos... said…

    Pois… Ao que parece, o caro amigo não é de Torres Novas e não se apercebeu ainda da natureza deste blog. Este espaço foi criado como forma de se coligirem artigos que vou escrevendo para o principal jornal da cidade, um semanário que é propriedade da Misericórdia e que se chama “o Almonda”. Pelo que sempre me apercebi e observo ainda, o público maioritário deste órgão de comunicação parece ser pouco jovem e com uma visão algo tradicional da História e da sociedade (não estou a meter política nisto).

    Ora, quando há cerca de 8 meses decidi começar a escrever sobre efemérides ou curiosidades da História, fi-lo unicamente com dois propósitos: 1- Treinar semanalmente a minha capacidade de análise e síntese (não perdendo estes hábitos trazidos da faculdade, uma vez que me obrigo a ler sobre assuntos completamente diferentes todas as semanas). 2- Procurar transpor para uma linguagem menos académica e mais acessível, episódios essenciais do nosso Passado comum, que se não deviam esquecer mas que o vão sendo e a que velocidade! Como tal, de um grande manancial de dados concretos, datas múltiplas, fontes variadas, tenho de conseguir redizi-lo ao essencial e atribuir-lhe uma linguagem um pouco mais literária. É óbvio, portanto, que a crónica “Recuemos” não tem quaisquer pretensões de investigação ou análise científica, que seria, de resto, impossível compreender em cerca de 900 caracteres.

    Naturalmente que ao permitir e até incitar ao desenvolvimento dos temas, criando o blog, acabo por ser confrontado com críticas, elogios e questões, que surgem nos “comentários” ou me chegam por e-mail. No entanto os temas são normalmente abordados de uma forma superficial e generalista, deixando pouca margem para discussão. Este caso permite desenvolvimento pelo simples facto de lhe ter dado um cunho algo sentimentalista, partindo para a análise do espírito humano e exaltação do martírio do infante. Ora, é aí que entra a linguagem literária, onde termina a ciência e começa o romance. Logo, não sendo incorrectos ou falsos, uma vez que se fundamentam em textos escritos por historiadores consagrados, os textos tornam-se subjectivos e pouco científicos. Mas admito-o, e apelo a quem tenha uma visão mais científica da coisa, e o busque nestes artigos, que compreenda que não são textos escritos para investigadores mas para o comum “desinteressado”, convidando-o à curiosidade. Entende?


    A ciência deixo-a para a minha profissão, que não tendo nada a ver com estes artigos, acaba beneficiando do exercício. Tenho, no entanto, muito gosto em desenvolver os temas com pessoas como você. Estou neste momento com livros no meu colo sobre o Infante D. Henrique para aprofundar a nossa conversa, e apesar de não ser nenhum especialista em “Descobrimentos Portugueses”, este acaba por ser o saldo do feedback que tive em si, o que é sem dúvida positivo.

    Mas voltando ao assunto, você insiste na comparação, não o contradigo mais. No entanto, já que fala nisso, veja o resultado final das preocupações de D. João II… Não perdeu um pouco a bem, perdeu tudo a mal…

    Diz o próprio Rui de Pina, que, já em Marrocos, ao passar revista às tropas desembarcadas, o infante contou 6000 dos 14000 homens que consigo deviam ter desembarcado. A desorganização foi tal que, contando-se com navios que deveriam vir da Flandres e de Inglaterra, e não chegando estes a tempo, mais de metade da “armada” fica em terra, partindo-se com uma força incerta. Como se não bastasse a insistência em continuar a expedição, Henrique ainda decidiu esperar por uns poucos reforços a caminho, o que deu tempo para que todo o Norte de África convergisse para Tanger, precipitando o desaire. Face a toda uma série de “burrices”, D. Henrique decide por-se a salvo…! Permita-me que insiste no espírito menos honrado do infante nesse dia.
    Contudo, não encabeçou a expedição tanto por um ímpeto de valorização pessoal, mas essencialmente em face da promessa que D. João I arrancou dos filhos no seu leito de morte, de prosseguir na guerra aos muçulmanos no Norte de África e que D. Henrique assinava por inteiro. São os textos saídos das Cortes de Évora, 1436, que testemunham esta “briga”, uma vez que os restantes infantes, com D. Pedro à cabeça, e a alta nobreza se opõem à guerra de África.

    Face à prisão de D. Fernando, D. Pedro, juntamente com muitos fidalgos e representantes de vilas e cidades do reino é o primeiro a defender que se ceda imediatamente a praça de Ceuta. Por outro lado temos o Infante D. Henrique e o Conde de Arraiolos (os dois responsáveis pelo “contrato” de liberdade do infante em troca de Ceuta) a defender que não se ceda Ceuta! No mínimo um episódio infeliz. Claro, estes dois influenciam um D. Duarte, fraco, pouco decidido que tinha a promessa feita ao pai sempre em mente. Morre sem deixar decisão clara e, quando toma a regência, em 1440, D. Pedro não tem coragem para contrariar o Infante D. Henrique, seu irmão, nem o Papa, ao qual teria de pedir autorização para ceder uma praça cristã.

    RIBEIRO, Orlando, Aspectos e Problemas da Expansão Portuguesa, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1962.
    FONSECA, Luís Adão da, Os Descobrimentos e a formação do Oceano Atlântico (séculos XIV-XVI), Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999.

     
  • At 10:02 da tarde, Blogger foxglove said…

    Estimado amigo:

    Dou-me por satisfeito com a explicação.
    De facto, não sou de Torres Novas, apenas tenho acesso a algumas coisitas que lá se passam.
    Também não sou especialista em "Descobrimentos e Expansão" que, aliás, pouca interesse me despertam.
    Relativamente ao D. João II, "tudo perdeu" por uma ironia do destino assim como D. Manuel.
    Bom, mas a constitucionalidade da união ibérica fica para outra ocasião.

    Cumprimentos e, se o amigo tiver paciência, encontramo-nos noutros debates

     
  • At 11:18 da tarde, Blogger Recuemos... said…

    Com certeza que sim.

    Deixe-me só, no entanto, corrigir uma coisa. O Infante D. Henrique foi de facto Grão Mestre da Ordem de Cristo. Foi-o desde 1416.

    SILVA, Isabel Morgado Sousa e, O Infante D. Henrique Mestre da Ordem Militar de Jesus Cristo, in «Mare Liberum», #7, Março de 1994, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, pp. 9-22;

     
  • At 12:14 da manhã, Blogger foxglove said…

    Estimado amigo:

    Está a fazer confusão e, penso que o artigo citado também não o ajudou.

    O Infante D. Henrique é nomeado duque de Viseu e senhor da Covilhã em 1416.
    A 25 de Maio de 1420 é nomeado governador e regedor da Ordem de Cristo.
    Creio que o facto de a nomeação não partir do seio da Ordem, não lhe permitiu usar o título de mestre.
    Não me parece que título de grão-mestre tenha sido utilizado nas ordens militares portuguesas durante a Idade Média, no entanto, dou-lhe o benefício da dúvida.

    Cumprimentos

     
  • At 3:06 da manhã, Blogger Recuemos... said…

    Tem razão, foi um lapso meu, a data que tenho é exactamente essa, contudo o cargo surge de facto variado nas fontes e estudos: regedor, administrador, mestre, grão-mestre... Parece ter subsistido uma certa polémica sobre se a sua nomeação pelo pai seria ou não válida a esse ponto.

     
  • At 5:34 da tarde, Blogger foxglove said…

    Olá.

    Acontece...
    É uma confusão muito frequente. De facto, somos sempre tentados a chamar ao Infante de mestre.

    Cumprimentos

     
  • At 4:24 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    So para deixar aqui o meu comentario e agradecer o autor do post e os comentadores. Bem hajam por deixar aqui o registo da nossa historia. Depois de ler o artigo da wikipedia foi por aqui que a estoria se cimentou. Muito Grato Luis

     

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