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ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, março 24, 2006

- A obra de D. Sancho I -


Estátua de João Cutileiro. Erigida à entrada do castelo, duante as comemorações dos 900 anos do Foral, concedido a Torres Novas por D. Sancho I.


Quem passa junto à actual porta principal do castelo de Torres Novas, depara-se com um busto lavrado em pedra, em representação de um rei. Foi a forma como a cidade torrejana decidiu homenagear o soberano que lhe terá concedido um verdadeiro corpo jurídico, ou seja, o Foral. Referimo-nos naturalmente a D. Sancho I, o segundo rei da monarquia portuguesa. Assinalam-se, neste 26 de Março, os 795 anos da sua morte. Vamos por isso procurar conhece-lo melhor.



Em 1154, ano em que nascia D. Sancho, o seu pai Afonso Henriques lidava em diversas frentes de luta. Por um lado as batalhas a sul com os muçulmanos, preparando-se novo assalto a Alcácer do Sal, por outro, o esforço de povoamento em zonas estratégicas de fronteira. Ainda os esforços diplomáticos constantes com os outros reis da Península Ibérica, procurando-se garantir a paz entre cristãos, bem como a já longa batalha junto do Papa, para que Portugal fosse reconhecido como reino independente. Em suma, eram tempos de total instabilidade e alerta. É nesse sentimento que cresce D. Sancho, sendo que cedo se acostuma a liderar as hostes e a acompanhar os passos do pai. Com apenas 15 anos já superintende alguns aspectos de governação do reino, aos 16 é armado cavaleiro pelo pai, e 2 anos depois, o rei associa D. Sancho no governo do reino, nomeadamente na gerência da defesa de Évora, de onde os cristãos assistiam ao repovoamento de Beja pelos muçulmanos. Aos 24 anos, lidera sozinho uma expedição a Sevilha, poderosa praça islâmica, causando grandes danos nos seus arredores. Dois anos depois, em 1180, o infante sobre a sua primeira grande derrota. Aconteceu perto de Ciudad Rodrigo, na Batalha de Arganal, frente ao exército do reino de Leão. 1184 seria um ano particularmente difícil para Portugal. Na verdade, a linha de defesa do Tejo, que se encontrava-se ainda pouco estabilizada, sofreria as poderosas incursões de Yusuf I, o califa almóada vindo do Norte de África, no decorrer das quais Torres Novas é devastada.



O ano seguinte, 1185, seria o ano da sua coroação, em Coimbra. Já com uns longos 45 anos de reinado, morre D. Afonso Henriques, tendo batalhado sempre até essa hora. Mas o novo rei seguir-lhe-ia os passos, prosseguindo o reforço da defesa fronteiriça e planeando novas ofensivas a Sul. Passou à História como “o Povoador”, o que remete para a sua principal acção governativa, ou seja, o esforço na consolidação de posições alcançadas pelos portugueses. Para tal, procede ao povoamento intensivo de variadas localidades, criando condições atractivas para que tal sucedesse. Por um lado, inicia um processo de doações, remetendo muitas vilas à protecção das ordens militares, que se tornavam donatárias e defensoras das suas gentes. Por outro, concedeu cartas de foral a muitas terras, criando aí um sistema de privilégios, que originava a ordem e estabilidade propícias à radicação de populações e consequente desenvolvimento defensivo dessas localidades. Noutras vilas, reorganizou a sua estrutura defensiva, devolvendo a segurança aos habitantes. Por fim, fundou novas vilas, suprindo a necessidade de se povoarem regiões com importância estratégica.


Vista interior do Castelo de Torres Novas.

Torres Novas conta-se entre as vilas que, depois de destruídas pelas incursões muçulmanas de 1190, terão recebido especial atenção por parte do jovem rei. Assim, após dar ordem de reconstrução das muralhas da fortaleza, terá criado a carta de privilégios de Torres Novas, estabelecendo-lhe como que um código jurídico, com a função de gerir a vida social e económica da povoação, ou seja, o Foral. Para quem não tenha a noção de como era o quotidiano medieval, não surge tão clara a verdadeira importância deste documento. A sociedade medieval cristã, constituía-se, como é sabido, por 3 estratos essenciais, o povo, o clero e a nobreza. Ora, era costume que as povoações se organizassem e florescessem em torno da protecção de um senhorio, fosse ele da nobreza ou do clero. Poderia ser um mosteiro ou convento, na dependência do qual viviam e trabalhavam os camponeses, ou, por outro lado, poderia ser um pequeno castelo senhorial, onde habitava um fidalgo guerreiro, que controlava as suas propriedades e fazia valer os seus direitos. E que direitos seriam esses? O senhor, dono das terras, junto do qual se estabeleciam as populações, firmava como que uma relação de interdependência com estas, ele dar-lhes-ia protecção e segurança, eles trabalhariam as suas terras, alimentando-se delas mas pagando-lhe com uma percentagem dessa produção. É mais ou menos a isto que se chama de “feudalismo”. O que sucedia, é que nem sempre esta relação de interdependência se estabelecia ou cumpria da forma mais justa, verificando-se muitas vezes situações de abuso de poder e de exploração das gentes, por parte do seu senhor. Ora, ao povo, que pouco podia, restava-lhe apelar ao rei, o que por vezes resultava mesmo em admoestação feita ao senhor. Mas como isto era extremamente raro, compreende-se a verdadeira importância de que se revestia a concessão de foral a uma povoação. Primeiro, elevava essa povoação e sua gente a um estatuto completamente distinto, uma vez que era alvo da atenção do rei e que passava a estar na dependência jurídica deste. Por outro, o facto de ter uma “legislação” própria contribuía grandemente para a salvaguarda dos abusos senhoriais, que assim, infringindo os foros, estariam em falta para com o próprio monarca. Por fim, ordenava o quotidiano dessas vilas, contribuindo para a paz e estabilidade social.


Imagem do castelo de Torres Novas.

É essencialmente esta a grande importância que D. Sancho teria para Torres Novas, prestando-lhe um serviço, de cujo agradecimento, o seu busto erigido em pedra é apenas um símbolo. De 1190 em diante, a vila de Torres Novas constitui-se como município de pleno direito, sem dúvida o verdadeiro incremento que faria dela uma das capitais da Estremadura medieval. A 26 de Março de 1211 morreria, após 26 anos de um reinado farto em guerras e disposições de todo o tipo, deixando um tesouro abundante e um país organizado politica, administrativa e economicamente. Encontra-se no mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, ao lado do túmulo do pai.


Imagem do foral concedido por D. Sancho I a Penedono.

1 Comments:

  • At 7:06 da tarde, Blogger Falco said…

    Muito bem explicado. Apenas a ressalva de que os 900 anos de foral se comemorarão em 2090.

     

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