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ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, março 17, 2006

- D. João VI: Um rei incompreendido -


D.João VI

No passado dia 10 de Março assinalaram-se os 180 anos da morte deste rei, um homem verdadeiramente fintado pelo destino que, no fim de contas, foi sempre mal amado e pouco compreendido pela História. Façamos-lhe justiça pois.

Filho da rainha Dª Maria I, D. João era o segundo na linha de sucessão ao trono, não lhe competindo, portanto, a si, preparar-se para reinar. Esse seria o desígnio do seu irmão mais velho José, Príncipe da Beira. Acontece que, em 1788, o príncipe herdeiro morre de varíola, o que eleva João à primogenitura, então com 21 anos. D. João, até aí indiferente às questões de governo e dos afazeres do reino, era um bon vivant, habituado a entregar-se aos prazeres da caça e da “carne”, percorrendo os montados e conventos do reino em busca de distracção. Ser coroado era a última coisa que esperava ou sequer desejaria, não obstante, apenas 4 anos após a morte do irmão, o mal preparado D. João vê-se obrigado a assumir a regência. Na verdade, a deterioração mental da rainha, sua mãe, haveria de a incapacitar por completo no governo do reino, pelo que a partir de 1 de Fevereiro de 1792, D. João está por sua conta.


"Protecção de Junot a Lisboa" - ou Junot submete Lisboa, aqui figurada por uma mulher.

Em 1801, Napoleão, o líder da recém instaurada República Francesa, exige que Portugal feche os portos aos ingleses (chegando mesmo a instigar os espanhóis a invadir-nos, o que culmina com a tomada de Olivença). Isso implicaria uma afronta directa aos nossos aliados de sempre, pelo que, apesar de dizer que sim a Napoleão, D. João nunca chega a cumprir o acordo. Cansado de esperar, em 1807 Napoleão intima Portugal: Ou fecham os portos aos ingleses ou são invadidos! Pois, a 17 de Novembro desse ano, Portugal é invadido. Estando os exércitos de Napoleão já próximos de Lisboa, a 29 de Novembro, D. João, após combinação com os ingleses, dá ordem para que toda a corte embarque rumo ao Brasil, “(…)querendo evitar as funestas consequências que se podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade”, segundo as suas palavras num decreto de 26 desse mês. É assim que se dá uma das operações mais insólitas na História europeia, sendo que, um reino europeu transfere a sua própria capital para um outro continente. Esta medida tem sido referenciada por muitos, ao longo da História, como um atestado de cobardia ao príncipe português, contudo, atente-se nas palavras de Napoleão no seu “Memorial de Santa Helena”, quando no exílio: “… a Inglaterra pôde, a partir daí, continuar a guerra; foram-lhe abertas as portas da América do Sul; organizou um exército na Península (…) Foi o que me perdeu”. Palavras para quê, quando é o próprio Napoleão a reconhecer nesta derrota a causa da sua derrocada?


Imagens da corte no Brasil.

Foi no Brasil que D. João passou os 14 anos seguintes, no decorrer dos quais, se assistiria ao florescimento dessas terras, transformando-se o Rio de Janeiro numa verdadeira metrópole económica e cultural. Enquanto isso, Portugal vivia dias de convulsão. Expulsos os franceses e afastados os aliados ingleses (que começavam já a abusar da liberdade em território português), as forças vivas da nação exigiam o retorno do rei à verdadeira capital histórica do reino, não se conformando com esta lateralidade. Por outro lado, o pensamento liberal inspirado na República Francesa começava a alastrar entre nós, verificando-se as primeiras exigências. E foram de tal ordem que, em 1820, se impõem por revolução. Isto obriga o rei a regressar a Portugal, deixando o filho mais velho, D. Pedro, no governo do Brasil. Chegado a Portugal, D. João VI é obrigado a jurar a Constituição, abdicando do poder absoluto.
Novos problemas se iniciavam assim para o rei. Por um lado, vendo-se de novo relegado a simples colónia, o Brasil proclamaria a independência, por intermédio do príncipe herdeiro D. Pedro, em 1822.


Proclamação da independência do Brasil por D. Pedro e sua coroação.

Por outro, o filho D. Miguel, apanhando-se em Portugal sem o irmão, resolve usurpar-lhe a sucessão ao trono, iniciando uma guerra civil. Na verdade, uma vez que o irmão resolvera encabeçar a revolta independentista do Brasil, fazendo-se proclamar imperador e traindo o rei, seu pai, D. Miguel não tinha qualquer razão para aguardar que D. Pedro se lembrasse de vir reclamar o trono de Portugal.


Dª Carlota Joaquina de Bourbon.

Por fim, D. João VI continuava a ter a seu lado o maior inimigo que a vida lhe reservaria, ou seja, sua esposa Dª Carlota Joaquina de Bourbon. Com ela havia casado em 1785, contando 18 anos e ela apenas 10. Filha do rei de Espanha, D. Carlos IV, passara a vida a tentar substituir-se ao marido no comando do reino. Tomara já partido por Espanha aquando das invasões instigadas por Napoleão. Também no Brasil havia tentado assumir a regência, juntamente com as possessões espanholas na América. Por fim, haveria de ser a principal instigadora do partido do seu filho predilecto, D. Miguel, um acérrimo absolutista, como ela própria. Segundo as más-línguas de então, dos nove filhos que teve com o rei, apenas 5 seriam verdadeiramente deste, sendo o resto fruto das suas aventuras sexuais. Segundo as palavras da esposa de Junot, ainda quando embaixador francês em Portugal, o pai de D. Miguel, “(…) segundo alguns, é um moço de cavalariça da rainha, segundo outros, um médico de Lisboa. Mas o indubitável é que não é filho de D. João VI”.

Posto isto, D. João VI morre inesperadamente a 10 de Março de 1826, na sequência de uma forte indisposição, ocorrida após o jantar de 4 desse mês. Análises químicas efectuadas recentemente às vísceras do rei, ainda conservadas, comprovam um envenenamento à base de arsénico, cuja dose quadruplicava a suficiente para o matar. Como não pode deixar de ser, a rainha é a grande suspeita desse assassínio, abrindo assim caminho à coroação do filho Miguel.


D. Miguel

D. João VI ficaria na História como um homem fraco, pacato, sem iniciativa, um glutão inveterado, sem normas básicas de higiene ou asseio. São famosas as suas descrições, vagueando pelos corredores do palácio com frangos assados inteiros nos bolsos das casacas engorduradas, sujas e gastas que se recusava a trocar… Ainda assim, preferível será lembrá-lo como um homem bom, com uma sorte má.

2 Comments:

  • At 5:36 da manhã, Blogger Unknown said…

    Olá...
    Estou fazendo um trabalho de pesquisa a respeito das personalidades que compunham a familia real...seria interessante se ao colocar os dados você os fundamentasse com bibliografia, inclusive as figuras...

     
  • At 2:27 da manhã, Blogger Recuemos... said…

    Olá. Este texto é apenas mais uma breve crónica sobre momentos da História de Portugal, não constituindo um trabalho científico.

    Versando sobre factos elementares, sobejamente conhecidos, e outros recém noticiados (investigação às visceras do rei), escuso-me de colocar "palha" no que se pretende breve e proveitoso para leitores pouco dados à investigação.

    Caso pretenda fontes e outros desenvolvimentos sobre aspectos concretos deste texto, estou ao seu dispor.

    Cumprimentos,

    Carlos Carreira

     

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