- Pedro “o Cru” -
Como dizia, uma outra razão terá conduzido a este desfecho. Teremos de recuar um pouco mais ainda para compreende-la. D. Dinis, pai de Afonso IV e, portanto, avô de Pedro, a certa altura ter-se-á afastado de sua esposa, a rainha Isabel (Santa Isabel), tendo então mantido relações extra-conjugais. De uma dessas relações terá nascido Afonso Sanches, um jovem de forte carácter que D. Dinis muito estimava. Esse apreço elevaria Afonso Sanches a mordomo-mor, um dos cargos mais elevados de então.
Esta atenção prestada pelo rei ao filho bastardo, provoca um ciúme desmedido no herdeiro da Coroa, o jovem Afonso, único filho de D. Dinis com Dª Isabel. Temendo a preferência do pai pelo seu meio-irmão, Afonso reúne forças por todo o país e inicia uma revolta contra D. Dinis, procurando força-lo a abdicar do trono em seu favor. À cabeça das forças de D. Dinis, estava o seu bastardo Afonso Sanches. O ímpeto do infante acaba por vencer as forças do rei, e antes que pudesse capturar o seu meio-irmão, este foge e refugia-se em Castela, deixando Afonso IV ávido por vingança.
Em Castela, Afonso Sanches casa-se com a herdeira da casa de Albuquerque, junto da qual, alguns anos mais tarde, adopta a pequena Inês Peres de Castro. Inês era filha adoptiva de Afonso Sanches e D. Afonso IV sabia-o. As razões para que a odiasse eram, pois, de peso, filha adoptiva do seu maior inimigo, irmã dos Castro, que tentavam convencer o seu filho Pedro a trocar o trono português pelo castelhano, por fim, mãe de 3 crianças que disputariam o trono ao seu legítimo neto, D. Fernando. A vingança foi consumada da forma conhecida.
Ao saber da morte de Inês, D. Pedro voltou-se em armas contra o pai e indo até ao Norte do país, liderou saques e motins por terras do rei. Só meses depois, e por acção da rainha Beatriz, sua mãe, o infante se compromete a não mais procurar vingar a morte de Inês e, por seu lado, Afonso IV se compromete a esquecer e a perdoar as destruições causadas pelo infante, seu filho. Só que, menos de 2 anos decorridos, morre D. Afonso IV, não sem antes mandar avisar os seus 3 cúmplices que saíssem para Castela antes que o filho fosse coroado. Com efeito, assim que se dá a coroação, inicia-se uma autêntica caça ao homem por toda a Península Ibérica. Chega-se a fazer um trato com o rei de Castela, no qual se promove uma troca de prisioneiros. D. Pedro entregaria ao rei de Castela castelhanos exilados em Portugal e aquele rei entregaria a D. Pedro portugueses exilados em Castela. Entre eles, naturalmente D. Pedro queria que constassem os carrascos de Inês, foram eles Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco. Tendo este último conseguido fugir, foram os outros dois presentes a D. Pedro.
Como nos relata o cronista Fernão Lopes, o rei estava em Santarém, e aí foram por ele interrogados os dois capturados. D. Pedro quis deles saber quais os envolvidos na conspiração contra Dª Inês, bem como das motivações e das ordens dadas por seu pai. Como nenhum lhe dissesse nada, el-rei ter-se-á enfadado e aplicado um tabefe sobre Pêro Coelho que logo com el-rei se revoltou, insultando-o. D. Pedro mandou-os matar ali mesmo, na sua presença e com métodos deveras chocantes. Ordenando que fossem amarrados, a um quis que se lhe arrancasse o coração pelo peito, a outro, pelas costas. Tal terá decorrido frente a el-rei, enquanto almoçava, o que constituiu certamente um dos episódios que mais terá contribuído para um dos cognomes com que ficou lembrado, Pedro “o Cru”.
Segue-se, tempos depois, o juramento público e solene de D. Pedro, em como havia contraído matrimónio com Inês em segredo. Para tal apresentou testemunhas, cujas declarações não convenceram a totalidade do reino. Ainda assim, D. Pedro fez com que fosse consagrada rainha de todos os portugueses, sendo célebre a pompa na trasladação do cadáver de Coimbra para Alcobaça, e digna de verdadeira majestade a meticulosa lavra do seu túmulo.
Desse amor, resta-nos hoje um pungente passeio pela Quinta das Lágrimas, lembrando o local onde Inês fora morta, ou a contemplação atenta desses dois jazigos góticos, “tela” de um autêntico vendaval de sentimentos. E Alcobaça fica tão perto…! Fica o convite. Uma rosa por Inês, uma rosa por Pedro.
1 Comments:
At 12:42 da manhã, José Lourenço said…
Já várias vezes procurei uma descrição sucinta mas liberta e objectiva deste episódio fundamental do fim da primeira dinastia portuguesa, e ainda não tinha encontrado...
gostei muito, e usei num post no FB.
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