Artigo de Opinião: -Seis tiros no Ensino Superior -
Bem sei que o título escolhido é algo desconcertante. Mas não se pense que venho defender que se ande por aí aos tiros. Nada disso. Não obstante, outras coisas há que tombam, mesmo sem tiros à séria. Falo do estado a que chegou o nosso Ensino Superior e daquilo que identifico como uma das mais fortes causas para essa situação: a desorientação dos jovens e a responsabilidade do Estado na intensificação desse fenómeno.
Se recuarmos talvez umas duas décadas, lembraremos que a maturidade de um jovem que concluísse o ensino secundário pelos 17-18 anos, lhe permitiria uma boa noção do projecto de vida mais indicado a seguir, nomeadamente a nível profissional. A formação académica, quando ambicionada, era então encarada como um desígnio, um compromisso pessoal, ao qual se dedicava esforço e recursos de todo o tipo. Foi um tempo em que, apesar da pouca variedade das licenciaturas disponíveis, se guardava um lugar digno para quantos concluíam os seus estudos, inserindo os quadros superiores na vida activa. Em suma, as universidades eram frequentadas por homens e mulheres conscientes das suas obrigações e, acima de tudo, do seu projecto de vida. Hoje, tudo se adulterou. Algures no tempo se veio a convencionar o célebre preconceito de que “agora, quem não tem canudo não é ninguém!”. Esta ideia vingou entre a classe média, a tal que se vem limitando a seguir os padrões de uma “maioria” disforme e anónima. Assim, os nossos jovens recebem um padrão social a cumprir, ditado por “eles”, e um adolescente que rejeite a ideia de ingressar no Ensino Superior, torna-se numa espécie de “falhado, sem ambição”, muitas vezes aos olhos dos próprios pais.
Já para não desenvolver muito a questão da carência de técnicos, que conduz a uma empregabilidade muito superior entre os chamados “quadros intermédios”, a par dos salários praticados, refira-se que a desorientação a que os jovens estão hoje expostos quando terminam o Secundário, é muitas vezes causa de futuras frustrações e de uma tremenda despesa para o Estado. Explicando: Ao aproximar-se o 12º ano, surge para muitos a angústia de escolher um curso universitário. Não porque queiram ser isto ou aquilo, ou porque desde pequenos tenham sonhado ser algo, mas simplesmente porque, hoje, entrar na universidade, é sinal de aprovação, de sucesso. Os pais babam-se porque o filho vai ser “Doutor” e o jovem descansa porque ultrapassa mais esta provação social. Claro que há aqueles que sempre sonharam ser médicos, ou veterinários, ou enfermeiros, ou fisioterapeutas, mas esses, são os tais que tiveram tantas vezes de sacrificar a adolescência em prol dos livros, em busca das médias ridículas a que o Estado os obriga, para outras tantas vezes acabarem à porta do sonho por uma ou duas décimas (porque é melhor importar estrangeiros formados do que investir na formação).
O processo é este: ao chegar a época de candidatura, todos os jovens pretendentes à Universidade têm de preencher um formulário, no qual poderão colocar 6 pares de Universidade/Curso. O candidato tem 6 possíveis escolhas para ingressar num curso e num determinado estabelecimento de ensino público, que vai preenchendo por ordem de preferência. Depois, conforme a média com que concorre, a sua entrada fica dependente do número de vagas disponíveis, bem como das notas com que concorrem os outros. Quem tem as notas mais altas, entra primeiro. Ora, esta regra a mim não me constrange, pois a triagem é um processo natural quando se busca a eficiência. Já por outro lado, 6 hipóteses para se entrar numa Universidade, parece-me um factor que diminui forçosamente a eficiência do Ensino Superior. Seis diferentes hipóteses equivalem a seis diferentes projectos de vida a que se pode candidatar um jovem de 18 anos. Estará ele em condições de compreender o que está em causa? As consequências são óbvias.
Veja-se este exemplo: Imagine um jovem que quer ser jornalista. Coloca essa como primeira opção no formulário. Mas depois vai colocando outras opções a seguir, e por ordem de preferência, até chegar à sexta que é, por exemplo, Antropologia. O leitor acredita que a sexta opção poderá constituir um projecto de vida alternativo a alguém que quer ser jornalista? Acredita que, caso apenas possua nota para entrar na sexta opção, este jovem se vai sentir suficientemente incentivado para fazer uma licenciatura de 4 anos com aproveitamento? Que depois de concluída a formação, terá alento para procurar trabalho nessa difícil área? Eu não. E, no entanto, o Estado compromete-se a investir neste curso. Não acredito porque observei de perto muitos jovens desalentados, que entraram na sua última ou penúltima opção e que depois, foram tendo notas medíocres, chumbando vários anos e alguns até deixando os cursos incompletos. Ora, quando pensamos que não se abrem mais vagas em medicina porque ficam dispendiosas ao Estado, quando pensamos que não há mais apoios para os estudantes-trabalhadores (esses provavelmente mais certos do que ninguém da sua opção) ou que não se investe na qualidade das infra-estruturas de ensino…fica-nos um certo sabor a desorientação em todo este sector. Hoje em dia, prevalece a ideia de que “ninguém pode ficar de fora”, ainda que se entre num curso não eleito como projecto pessoal. O grande objectivo é entrar na Universidade, cumprir um desígnio e ser aceite, o resto logo se vê. Mas esse “logo”, sai caro aos contribuintes, uma vez que se investe no estudante ao longo do seu percurso, com ou sem aproveitamento. Estes “6 tiros no Ensino Superior” concretizam-se em milhares de processos de candidatura por ano, que de facto visam uma continuidade de estudos, mas como uma espécie de prolongamento do Ensino Secundário e não tendo em vista a vida profissional activa. Estes jovens fazem os seus cursos (quantas vezes profundamente teóricos) sem um qualquer entrosamento com a via profissionalizante dessas matérias, terminando-os normalmente sem quaisquer perspectivas de trabalho na sua área de formação. Este é o drama dos milhares de licenciados no desemprego, quando ao mesmo tempo se constata uma carência de licenciados, em comparação com outros países da Europa.
O Ensino Superior tem de ser definido. Ou é assumido como Centro de Formação Escolar e pólo de desenvolvimento intelectual, ao qual todos têm direito de aceder em igualdade de circunstâncias (à semelhança do Secundário), ou então deve ser assumido como um Centro de Especialização com vista ao mercado de trabalho e às reais necessidades do país, limitando-se a abertura de licenciaturas, restringindo a abertura de vagas ou mesmo cursos sem mercado de trabalho. Parece-me não ser possível fazer um país à medida das universidades, especialmente quando estas se tornam num reduto corporativo de docentes, que procura manter-se e expandir-se, apesar da esterilidade da sua acção e do drama dos seus resultados.
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