- O “Colo de Garça” -
“ (…)O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha”.
Camões dá o mote para o tema desta semana: O trágico destino de Pedro e Inês. Neste 7 de Janeiro, assinalam-se os 651 anos da morte de Inês de Castro, um dos assassinatos mais polémicos de toda a História de Portugal e que, pelas suas circunstâncias, deixou profundas marcas em toda uma sociedade que com tal se chocou muito. Inês ficou para sempre na mitologia e no sentimento nacional, face às lendas que acentuaram o carácter dramático da sua vida e morte. Ainda assim, há que compreender os factos por detrás da tradição e o que levou a este triste desfecho. Recuemos pois.
Entre 1340 e 1348, Portugal foi um país estabilizado e em desenvolvimento. D. Afonso IV, pai de D. Pedro, havia sanado os conflitos com Castela e eliminado a última demanda sarracena sobre território português. Era, pois, tempo de reestruturação nas instituições, de desenvolvimento económico-social, de reformulação de leis e formulação de outras. Era essa a prioridade do rei, manter a todo o custo uma paz que lhe possibilitasse o governo. Já no outro lado da fronteira o caso era outro. O rei castelhano, Afonso XI, andava de costas voltadas para a sua nobreza, ignorando-a e contrariando-lhe os interesses. Contudo, esta nobreza era demasiadamente poderosa e influente para se sujeitar à vontade real, começando cedo a conjurar uma nova dinastia. Está bom de ver que o nosso Afonso IV logo declina tomar qualquer partido nestas querelas vizinhas, a paz havia-lhe custado demasiado para ser assim desbaratada. Imagine-se então o desgosto de ter no próprio filho, seu herdeiro, o principal elemento português a pôr em causa este esforço, comprometendo a paz e estabilidade conquistadas. Foi o que sucedeu.
Casado em 1340 com Dª Constança, filha de um nobre castelhano, o infante D. Pedro apaixona-se loucamente por Dª Inês Peres de Castro, amiga e dama de companhia da princesa, o “colo de garça”, como era conhecida nos salões pela sua graça e beleza. O infante é correspondido, o que dá inicio a um amor intenso e a uma relação proibida. Apesar das relações extra-conjugais se enquadrarem na moral da época, algo terá levado à ordem de afastamento de Inês, ao ponto de acabar por ser expulsa do país, por ordem do próprio rei. Nos 5 anos seguintes, esta relação vive de encontros secretos e de uma ausência sofrida, até que, em 1345, Dª Constança morre ao dar à luz o seu único filho, o infante D. Fernando, futuro rei de Portugal. Então, D. Pedro não perde tempo e logo corre a trazer Inês para perto de si. Assim se reiniciava uma relação que se estenderia por 10 anos, da qual nasceram 4 filhos e que terminaria tragicamente com a morte de Inês. Interessa lembrar que, ao tempo, Inês era muito pouco querida entre nós, na verdade, desde o povo à nobreza, temia-se pela vida e pela futura coroação do infante Fernando, face ao amor cego que o príncipe dedicava à “espanhola” e aos filhos tidos com esta.
Ora, esta conjuntura concorreria para que o rei, Afonso IV, reforçadas as suas próprias razões, resolvesse a situação ao seu modo. Assim sendo, naquela tarde de 7 de Janeiro, aproveitando-se a ausência do infante, o próprio rei com 3 fidalgos de sua confiança, cavalga até à mata real de Coimbra, onde Pedro havia instalado a sua família, longe das intrigas e ameaças da Corte. Aí se encontram com uma Inês suplicante, que apunhalam e degolam sem misericórdia. Dª Inês cai morta, três crianças perdem a sua mãe e o problema de el-rei fica resolvido…. Não é fácil encontrar um motivo plausível, para que um rei ordene tal fim a uma mulher indefesa. Que razões para um crime desta monta?
Referiu-se atrás, que os nobres castelhanos pretendiam destronar o seu rei, inaugurando uma nova dinastia. Ora, ao fazê-lo punha-se o problema da sucessão. Quem iniciaria essa nova dinastia castelhana? Pois imagine-se que se foram lembrar, nem mais nem menos, que do nosso infante Pedro, descendente directo que era dos reis de Castela, por via materna. Logo se aproximaram-se dele, atraindo-o para o seu partido. Na verdade, uma importante parte do seu séquito era constituído por alguns dos mais destacados responsáveis pela conjura contra o rei castelhano. Agravando tudo isto, Inês de Castro era irmã e meia-irmã de 3 destes responsáveis, logo, partidária da sua causa. Ora, aos olhos do rei de Portugal, estas companhias do filho, começando por Dª Inês, eram altamente comprometedoras da neutralidade que se vinha esforçando por manter face à situação castelhana. Com o seu herdeiro prestes a aceitar encabeçar uma rebelião que, no seu íntimo, acreditava vir a falhar, a posição dele próprio estaria em causa face ao rei de Castela, com o qual mantinha relações cordiais. Tendo já por outras vezes ameaçado o infante, D. Afonso IV resolve eliminar da forma mais brutal, aquela que considerava ser a principal e mais próxima voz de encorajamento que Pedro tinha, para anuir à proposta dos seus amigos castelhanos, Dª Inês de Castro. De resto, D. Afonso não poderia também aceitar que o seu único herdeiro fosse ocupar o trono castelhano, abandonando Portugal a um D. Fernando ainda criança e já sem mãe.
Mas ainda assim, outra razão igualmente intensa povoava a mente do rei português, uma razão pessoal, familiar, um rancor que encontrou consolo na vingança sobre Inês. (continua…)
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