- Acreditar no Pai Natal -
Em criança deparava-me com aquele complexo dilema de saber qual o verdadeiro responsável pelos presentes que tinha à minha espera nas manhãs de 25 de Dezembro...
Em casa dos meus pais era o “Pai Natal” que lá os ía deixar. Como não tinha lareira, imaginava-o a entrar pela janela da sala, qual fantasma a atravessar os vidros... Mas na casa dos meus avós era o “Menino Jesus” que, nunca percebia bem como nem porquê, os fazia lá chegar. Anos mais tarde, e já ultrapassado o trauma de saber que eram afinal os meus pais os verdadeiros responsáveis (espreitei pela fechadura da sala), acabei por interiorizar a ideia de que o tal “Pai Natal” não passava de um burlão ao serviço de um consumismo desenfreado. Daí que o “Menino Jesus” me pareceu um motivo bem mais humano e tradicionalmente correcto para a troca de presentes. A idade tem destas coisas e com o passar do tempo começamos a querer compreender melhor as coisas. E sabem o que descobri? Ainda acredito no “Pai Natal”!
Parece-me bem mais ajustado o hábito espanhol de trocar presentes no Dia de Reis, ou não se pretendesse assinalar o dia em que os “Reis Magos” terão feito as suas ofertas a Jesus Cristo, como celebração do Seu nascimento. Contudo, nós, como tantos outros povos do mundo cristão, fazemo-lo na noite de Natal e o motivo parece prender-se com uma combinação de duas celebrações, o nascimento de Jesus e a morte de um tal S. Nicolau. Recuemos...
Nos fins do séc. III, o Império Romano dominava ainda uma grande parte do continente europeu, bem como toda a área mediterrânica. É, pois, na região romana da Lícia (actual Turquia), que na cidade portuária de Patara, no ano de 280 d.C., nasce Nicolau (significa “pessoa virtuosa”). Filho de uma família abastada de cristãos devotos, ainda muito jovem Nicolau dá inicio ao seu percurso de santidade. Conta-se que em Pátara, um pobre homem, pai de três filhas, na impossibilidade de lhes proporcionar um dote de casamento capaz de cumprir a tradição da época, toma a resolução de as encaminhar para a prostituição. Sabendo o que se perspectivava para as três irmãs, Nicolau decide interferir cobrindo a falta daquela família. A lenda conta-nos que, um dia, o jovem Nicolau terá subido ao telhado desse lar e, ao abrigo da noite, fez descer pela chaminé um saco cheio de moedas de ouro. Por mais duas vezes terá repetido essa acção, sempre que se aproximava a idade de casamento das jovens, assegurando que todas três se pudessem casar. Nasce assim a tradição da descida dos presentes pela chaminé.
Nicolau perde os pais muito cedo, aprofundando então a sua Fé. É a conselho de um tio que decide visitar a terra santa, Jerusalém. Nessa viagem dá um passo mais na consagração da sua santidade. Conta-se que, indo por mar, uma imensa tempestade ameaçava perder a embarcação com todos a bordo. Terá sucedido que, em começando Nicolau a rezar fervorosamente, o Céu se acalmara miraculosamente. O acontecimento foi digno de registo, concorrendo para que fosse, mais tarde, feito padroeiro de marinheiros e pescadores. Essa viagem, que passou ainda pelo Egipto, terá sido uma peregrinação religiosa e cultural para Nicolau, amadurecendo-lhe a devoção e aprofundando conhecimentos. Regressado a casa traz um novo projecto de vida. Doando toda a sua abundante riqueza aos mais desfavorecidos, com especial atenção às crianças, muda-se para a cidade de Mira. Aí cultivará a sua Fé como homem religioso, adquirindo um carisma que o levaria a Bispo dessa cidade. No novo cargo dá continuidade à sua obra junto dos mais pobres, orando pelos homens e protegendo as crianças.
Falecerá a 6 de Dezembro de 342, deixando uma vasta obra de caridade, semente de um verdadeiro culto. As lendas atribuídas à sua vida e obra espalharam-se por toda a Europa na imagem de um generoso distribuidor de bens e de presentes, tornando-se num dos santos mais populares da Cristandade, ao qual se atribuíam muitos milagres. É padroeiro da Rússia, da Grécia, dos marinheiros e das crianças. Instituído o seu dia de celebração, era a 6 de Dezembro que se trocavam os presentes em sua honra. Com o advento da Reforma, no séc. XVI, o culto aos santos é denegrido pelos Protestantes, especialmente no Norte europeu. Passa-se então a tradição da troca de presentes para o dia de Natal, procurando-se centrar o culto religioso apenas em Cristo. Anos depois, na Contra-Reforma, a recuperação do culto a este santo tão popular, transfere a sua celebração também para o dia de Natal.
Face à escassa documentação da vida do santo, em 1969, o Papa Paulo VI retira a festa de S. Nicolau do Calendário Oficial Romano, contudo, o culto permanece por todo o mundo cristão e em todos os lares, ao ponto de partilhar, quando não centralizando em si, o próprio dia do nascimento de Jesus, a festa da Família.
O “Pai Natal” é pois o S. Nicolau de origem mediterrânica e bispo de Mira, que, em 1822, um poema do americano Clement More imaginou como um velhinho de barbas brancas, num trenó puxado por renas e que desce pela chaminé com presentes. Por fim, a publicidade de Inverno da marca “Coca Cola” retoma esta imagem em 1931, vestindo-o com as suas cores e imortalizando S. Nicolau como um velho gordinho, de vermelho, botas altas e saco às costas cheio de presentes para os meninos bem comportados.
Muito para além desta imagem fantasiosa, bem como dos milhentos sósias todos os anos espalhados pelos centros comerciais, o “Pai Natal” tem um significado bem diferente de um sino que se toca para comprar… S. Nicolau representa a partilha, o despojamento, a renúncia, a caridade e um desinteressado amor ao próximo. Lembrando a sua obra, não será assim tão difícil voltar-se a “acreditar no Pai Natal”, pois não?
Um Feliz Natal a todos.
1 Comments:
At 1:32 da manhã, Anónimo said…
Maravilhoso!Obrigado pela sua publicação,pois contríbuiu bastante para o meu enríquecimento cultural e religioso.Saliento que me emocionou muito com as suas palavras...
Bom Natal!
Ana
Enviar um comentário
<< Home