“Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes ”
Oficial da Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão
Eis um dito popular que muitos portugueses ainda certamente recordarão. Vamos procurar explica-lo, para que não esqueça aos novos.
Esta semana coincide com um advento histórico notável, pelas consequências directas e indirectas provocadas no Portugal de então, ou não decorressem 198 anos da primeira de três invasões, que a poderosa França napoleónica perpetraria por terras lusas. Mas voltemos um pouco atrás:
Falhada a reacção militar das monarquias europeias contra a Revolução Francesa e a proliferação dos seus ideais republicanos, fortalecida e consolidada pelo pulso de Napoleão, a França estende o seu plano de conquista territorial em todas as direcções. Desde o Norte de África à própria Rússia, a frente de guerra francesa foi elevada a uma dimensão só posteriormente igualada pela Alemanha nazi. Assim, também Portugal viria a sentir a força dessa ambição, sendo que logo em 1800, a França retoma a intenção de ocupar a Península Ibérica.
Napoleão ordena a Portugal que encerre os portos aos navios ingleses (com quem a França estava em guerra aberta), o que não se chegaria a concretizar. A impaciência de Napoleão face à nossa resolução em manter a neutralidade leva-o assim a ordenar a entrada de cerca de 28 mil homens na península rumo a Portugal e com o apoio espanhol. Será a 19 de Novembro de 1807 que o general Andoche Junot transpõe a fronteira portuguesa, à frente de um exército já algo macerado pelo rigor invernil das serranias do Norte de Espanha. Ora, esta situação fragilizaria a sua progressão pela Beira, região inóspita, sem estradas e onde o pleno Inverno se fazia já sentir. Ainda assim, Junot chega a Abrantes dia 24 de Novembro, à frente de um exército de alguns milhares de homens descalços, sub nutridos, doentes ou feridos. É aí que se recompõe e selecciona os elementos capazes de prosseguir, sendo que no dia seguinte partia já rumo a Lisboa. Transposto o Zêzere a custo, bem como as terras alagadas da Golegã, Junot entra em Santarém dia 28, com o seu Estado-Maior incompleto e um regimento de já poucos homens. No mesmo dia segue para Lisboa onde, ainda nas proximidades, é recebido por um destacamento da cavalaria portuguesa. A facilidade com que este fraco exército ali poderia ser vencido, levou certamente os nossos homens a questionar as ordens recebidas. E que ordens eram essas?
O esforço por manter a situação de neutralidade face ao conflito anglo-francês, levou o regente D. João de Portugal à situação desesperada de considerar publicamente a entrada destes soldados como uma simples “marcha de tropas estrangeiras”, dando ordens explicitas para que fossem bem assistidas e aquarteladas na sua estadia, “conservando sempre a boa harmonia que se deve praticar com os exércitos das nações com as quais nos achamos unidos no continente”. Eis a razão pela qual este exército, depauperado pela fome e pelo rigor do clima, de uniformes rasgados e espingardas arruinadas, rumou até à capital do reino a salvo de uma reacção militar ou popular concertada. No entanto, toda a Corte embarcou rumo ao Brasil na véspera da chegada de Junot a Lisboa. Uma estratégia tecida secretamente com os ingleses e que Napoleão viria mais tarde a admitir ter sido uma jogada de génio por parte do rei português, onde outros têm visto uma atitude cobarde deste. Um total de 35 navios mercantes e de guerra, transferiram aproximadamente 15 mil pessoas para o outro lado do Atlântico nesse dia. Juntamente com artesãos e mesteirais de todo o tipo, a Corte permaneceu intocada onde também era Portugal.
Junot
Certo é que dia 30 de Novembro, apenas 12 dias após transpor a fronteira, Junot entra em Lisboa onde assume a regência em nome do imperador Napoleão e declara o fim do reinado da família Bragança. Ergue a bandeira francesa no castelo de S. Jorge e trata de desarmar o pais, enviando regimentos de soldados portugueses para as frentes de batalha francesas.
A partir daqui, ainda que abandonada pelo príncipe regente e sobejamente reprimida pelos franceses, a população revolta-se permanentemente e em vários pontos do pais. Estes focos de rebelião popular permitiriam às forças inglesas o planeamento e assalto por mar, ao território português. A 6 de Agosto de 1808, o general inglês Arthur Wellesley (futuro duque de Wellington) desembarca na baía de Vagos. Daí em diante, inicia-se um longo processo de reacção luso-britânica às investidas francesas, durante o qual com certeza muitos portugueses terão questionado sobre o estado da contra-ofensiva, daí que a resposta habitual fosse “Tudo como dantes, quartel general em Abrantes”, ou seja, que esse importante bastião militar continuava na posse estrangeira. Posteriormente a popularidade do dito veio a converter-se num provérbio que significa inoperância.
Só em 1814, com a retirada do general Massena, Portugal se livra da ocupação francesa. Para trás ficava a destruição, a desorganização social, o despojamento das igrejas e palácios de todo o reino de suas riquezas, enviadas para França, o esgotamento dos bens de consumo alimentar, o descontentamento popular e mais significativo de tudo, a ausência prolongada da Corte no Brasil provocaria o descontentamento entre as elites, que inspiradas nas ideias liberais vindas de França, começavam a exigir, na ausência do Rei, a liberalização do poder, ou seja, a criação de uma Constituição que transferisse o poder legislativo para um parlamento. Este fenómeno alterará para sempre o rumo político do país, conduzindo ainda a uma guerra civil entre Liberais e Absolutistas que adiará um pouco mais o progresso e a estabilidade social
5 Comments:
At 5:38 da tarde, Anónimo said…
Muito interessante esta explicação. Além de me permitir saber um pouco mais sobre esta fase da nossa história, fiquei a seber a origem de um dos ditos populares que acho mais curiosos.
Obrigada
Maria Peres
At 3:01 da tarde, drwsantin@gmail.com said…
Olá!
Sou um brasileiro, gaúcho, do extremo sul do país,achei excelente a explicação histórica acerca da origem deste dito popular que embora já esteja aqui no Brasil esquecido por muitos, especilamente os mais jovens,permanece ainda com este siginificado de "inoperância".
O interessante é como tal dito transpôs-se para o Brasil, ingressando na consciência popular com este mesmo siginificado ainda que pouquíssimos conheçam a origem histórica, tão elucidativa do mesmo.
Obrigado,
Douglas Santin
At 9:48 da manhã, Karine said…
Quando uso este provérbio, noto a homofobia, como fosse eu um museu na minha preservada e idolatrada cultura, onde procuro respostas para tudo. Mas o que mais me comove é verificar as cabeças vazias, que para ter conhecimento dos séculos passados, é necessário ter pertencido a este tempo. Mesmo sendo considerada Matusalém diante das informações das quais tento ensinar, ainda sou orgulhosa de ser uma educadora paciente e da compeensão da ignorancia, falta de tudo da nossa geração que tem interesse muito grande em pesquisas, paenas nos blogs de relacionamentos para falar de futilidades, os MSN que escrevem pela metade. Não há exoressividade idiomática, não há sentimentos de nada.
At 9:52 da manhã, Anónimo said…
Quando uso este provérbio, noto a homofobia, como fosse eu um museu na minha preservada e idolatrada cultura, onde procuro respostas para tudo. Mas o que mais me comove é verificar as cabeças vazias, que para ter conhecimento dos séculos passados, é necessário ter pertencido a este tempo. Mesmo sendo considerada Matusalém diante das informações das quais tento ensinar, ainda sou orgulhosa de ser uma educadora paciente e da compreensão da ignorancia, falta de tudo da nossa geração que tem interesse muito grande em pesquisas, apenas nos blogs de relacionamentos para falar de futilidades, os MSN que escrevem pela metade. Não há expressividade idiomática, não há sentimentos de nada. Repito o comentário por erros de digitação, pois o sistema aqui no Rio está péssimo.
At 1:30 da manhã, danielandre1990 said…
Este comentário foi removido pelo autor.
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