Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, novembro 25, 2005

O que tem a Sexta-Feira 13?



Actualmente, não é fácil entrar numa livraria sem que a febre esotérica ligada aos templários não nos entre pelos olhos a dentro. Desde o famoso “Código Da Vinci”, o tema desdobrou-se em largas dezenas de publicações por todo o mundo, esgotando todas as teorias possíveis e imaginárias. Este Natal não é excepção e é ver as prateleiras repletas de mais do mesmo. Ainda assim, parece-me justificável que esta semana se aborde o tema, simplificando-o tanto quanto possível.
No dia 29 da presente semana, assinalam-se 691 anos da morte de Filipe IV, o Belo, rei francês da dinastia capetíngia. Contudo, esta efeméride não passa de um pretexto para abordar aquilo que de facto nos interessa, ou seja, a origem da “azarenta Sexta Feira 13”. Recuemos…

Há muitos, muitos anos, por volta de 1118, nove cavaleiros cristãos abandonam a Europa rumo ao Médio-Oriente, onde havia sido recentemente implantado o reino cristão de Jerusalém. Terra de lugares santos e alvo de constante peregrinação, era também atractivo para todo o tipo de malfeitores, que viviam dos saques perpetrados ao longo das rotas dos peregrinos. Os crescentes massacres e roubos praticados entre o velho porto de Jafa (actual cidade de Tel Aviv) e Jerusalém, juntaram estes homens sob um manto branco e uma cruz vermelha, com o propósito de proteger os fiéis. Inicialmente “Pobres Cavaleiros de Jesus Cristo”, ficariam conhecidos como “Templários” ou “Guardiães do Templo”, o que se deveu à mítica localização do seu primeiro quartel-general, instalado no espaço onde, muito antes, se erguia o Templo do Rei Salomão.

O sucesso e a visibilidade desta iniciativa, levou à necessidade da criação de uns estatutos que os organizasse enquanto Ordem, sendo então redigidos pela mão do abade de Claraval (futuro S. Bernardo). Compreendida a importância que teria para a Igreja a posse de uma Ordem monástica inteiramente ao seu serviço e que serviria para fazer a guerra, esta foi posta sob a exclusiva autoridade do Papa, como tal, nem rei nem bispo teriam sobre eles qualquer poder. Ora, este estatuto conferia à Ordem uma imensa autonomia e prestígio, ao que esta correspondia com inúmeras vitórias sobre o Islão, resgatando fartos valores logo enviados para a Europa, desenvolvendo e protegendo as trocas comerciais a Oriente, erguendo fortalezas, tornando-se fiéis depositários da riqueza de nobres e reis por toda a Europa… Pode dizer-se que nos fins do séc.XIII, estes eram uma espécie de Caixa Geral de Depósitos de toda a Cristandade. O próprio rei francês devia muito dinheiro aos templários, a sua guerra na Flandres agravara uma situação económica já de si difícil, levando-o a sujeitar-se ao crédito e aos juros da Ordem (cujo imponente quartel-general se encontrava já em Paris, contendo aí todas as suas riquezas).

É então que Filipe IV, cansado dos juros e dividas contraídas aos Templários, promove uma forma de saldar essas dívidas. E como?
Pairava já então sobre os Templários a suspeita de práticas pouco cristãs, onde se incluía a negação de Cristo, a adoração de ídolos, a prática da homossexualidade, entre outras. Ora, em tempo de crescente fervor cristão, isto fragilizaria qualquer instituição, por forte que fosse. Aliando estas suspeitas ao descontentamento geral, pelos juros que a Ordem exigia ao rei francês em tempo de carência, Filipe resolve cortar o mal pela raiz.

Na sexta-feira, dia 13 de Outubro de 1307, dá-se uma das maiores operações policiais ao tempo. Mantendo tudo em segredo, Filipe faz circular as suas ordens apenas pelas autoridades dos locais onde existiam comendadorias templárias. As ordens eram para que no mesmo dia e pela mesma hora, todos os cavaleiros da Ordem em França fossem aprisionados, evitando desta forma qualquer reacção possível. Os apelos que ainda foram feitos junto do Papa revelaram-se inúteis. Na verdade, Clemente V encontrava-se comprometido com o rei francês desde que este lhe garantira o pontificado, em detrimento do candidato italiano. Assim, ainda que a Ordem estivesse sobre a sua exclusiva tutela, o Papa submete-se à vontade de Filipe e a 22 de Novembro, emite uma bula ordenando a prisão e a inquirição aos cavaleiros da Ordem, sendo o eminente jurista Nogaret a redigir e a liderar todo o processo. Esta inquirição fez-se por meio da tortura, e o estiramento de membros sobre um potro (onde eram amarrados), matou vários elementos antes de confessassem. Certo é que outros falaram, sendo registados relatos onde se admitia a idolatria, a sodomia, que se cuspia na cruz e renegava Cristo nos rituais, etc., registando-se a do próprio Jacques de Molay, grão-mestre da Ordem.



Passados 7 anos, obtidas as confissões e confiscados os bens da Ordem pela Coroa, arma-se um grande cadafalso em frente da catedral de Notre Dame, em Paris. Aí se reuniriam os inquisidores para ler a sentença. É então que, apesar de apenas condenado a passar o resto da vida num mosteiro (uma vez que, tendo confessado se mostrava arrependido), o grão-mestre toma a palavra diante do rei, dos magistrados e de uma multidão, para então renegar tudo o que havia confessado sobre tortura. Imediatamente se mandou ali acender uma grande fogueira, onde Jacques de Molay foi amarrado e consumido pelas chamas, enquanto bradava maldições sobre aqueles que o haviam perseguido e morto: O jurista Nogaret, o Papa Clemente e o rei Filipe. Consta que a maldição intimava aqueles 3 a comparecer perante o “Supremo Julgador” no prazo de um ano. Certo, é que em menos de um ano todos 3 haviam deixado este mundo, e aquela Sexta-Feira, dia 13, para sempre ficou na memória colectiva como um dia de particular azar, em que se deu inicio a um processo para sempre amaldiçoado.

sexta-feira, novembro 18, 2005

“Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes ”


Oficial da Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão

Eis um dito popular que muitos portugueses ainda certamente recordarão. Vamos procurar explica-lo, para que não esqueça aos novos.
Esta semana coincide com um advento histórico notável, pelas consequências directas e indirectas provocadas no Portugal de então, ou não decorressem 198 anos da primeira de três invasões, que a poderosa França napoleónica perpetraria por terras lusas. Mas voltemos um pouco atrás:
Falhada a reacção militar das monarquias europeias contra a Revolução Francesa e a proliferação dos seus ideais republicanos, fortalecida e consolidada pelo pulso de Napoleão, a França estende o seu plano de conquista territorial em todas as direcções. Desde o Norte de África à própria Rússia, a frente de guerra francesa foi elevada a uma dimensão só posteriormente igualada pela Alemanha nazi. Assim, também Portugal viria a sentir a força dessa ambição, sendo que logo em 1800, a França retoma a intenção de ocupar a Península Ibérica.

Napoleão ordena a Portugal que encerre os portos aos navios ingleses (com quem a França estava em guerra aberta), o que não se chegaria a concretizar. A impaciência de Napoleão face à nossa resolução em manter a neutralidade leva-o assim a ordenar a entrada de cerca de 28 mil homens na península rumo a Portugal e com o apoio espanhol. Será a 19 de Novembro de 1807 que o general Andoche Junot transpõe a fronteira portuguesa, à frente de um exército já algo macerado pelo rigor invernil das serranias do Norte de Espanha. Ora, esta situação fragilizaria a sua progressão pela Beira, região inóspita, sem estradas e onde o pleno Inverno se fazia já sentir. Ainda assim, Junot chega a Abrantes dia 24 de Novembro, à frente de um exército de alguns milhares de homens descalços, sub nutridos, doentes ou feridos. É aí que se recompõe e selecciona os elementos capazes de prosseguir, sendo que no dia seguinte partia já rumo a Lisboa. Transposto o Zêzere a custo, bem como as terras alagadas da Golegã, Junot entra em Santarém dia 28, com o seu Estado-Maior incompleto e um regimento de já poucos homens. No mesmo dia segue para Lisboa onde, ainda nas proximidades, é recebido por um destacamento da cavalaria portuguesa. A facilidade com que este fraco exército ali poderia ser vencido, levou certamente os nossos homens a questionar as ordens recebidas. E que ordens eram essas?

O esforço por manter a situação de neutralidade face ao conflito anglo-francês, levou o regente D. João de Portugal à situação desesperada de considerar publicamente a entrada destes soldados como uma simples “marcha de tropas estrangeiras”, dando ordens explicitas para que fossem bem assistidas e aquarteladas na sua estadia, “conservando sempre a boa harmonia que se deve praticar com os exércitos das nações com as quais nos achamos unidos no continente”. Eis a razão pela qual este exército, depauperado pela fome e pelo rigor do clima, de uniformes rasgados e espingardas arruinadas, rumou até à capital do reino a salvo de uma reacção militar ou popular concertada. No entanto, toda a Corte embarcou rumo ao Brasil na véspera da chegada de Junot a Lisboa. Uma estratégia tecida secretamente com os ingleses e que Napoleão viria mais tarde a admitir ter sido uma jogada de génio por parte do rei português, onde outros têm visto uma atitude cobarde deste. Um total de 35 navios mercantes e de guerra, transferiram aproximadamente 15 mil pessoas para o outro lado do Atlântico nesse dia. Juntamente com artesãos e mesteirais de todo o tipo, a Corte permaneceu intocada onde também era Portugal.


Junot

Certo é que dia 30 de Novembro, apenas 12 dias após transpor a fronteira, Junot entra em Lisboa onde assume a regência em nome do imperador Napoleão e declara o fim do reinado da família Bragança. Ergue a bandeira francesa no castelo de S. Jorge e trata de desarmar o pais, enviando regimentos de soldados portugueses para as frentes de batalha francesas.
A partir daqui, ainda que abandonada pelo príncipe regente e sobejamente reprimida pelos franceses, a população revolta-se permanentemente e em vários pontos do pais. Estes focos de rebelião popular permitiriam às forças inglesas o planeamento e assalto por mar, ao território português. A 6 de Agosto de 1808, o general inglês Arthur Wellesley (futuro duque de Wellington) desembarca na baía de Vagos. Daí em diante, inicia-se um longo processo de reacção luso-britânica às investidas francesas, durante o qual com certeza muitos portugueses terão questionado sobre o estado da contra-ofensiva, daí que a resposta habitual fosse “Tudo como dantes, quartel general em Abrantes”, ou seja, que esse importante bastião militar continuava na posse estrangeira. Posteriormente a popularidade do dito veio a converter-se num provérbio que significa inoperância.

Só em 1814, com a retirada do general Massena, Portugal se livra da ocupação francesa. Para trás ficava a destruição, a desorganização social, o despojamento das igrejas e palácios de todo o reino de suas riquezas, enviadas para França, o esgotamento dos bens de consumo alimentar, o descontentamento popular e mais significativo de tudo, a ausência prolongada da Corte no Brasil provocaria o descontentamento entre as elites, que inspiradas nas ideias liberais vindas de França, começavam a exigir, na ausência do Rei, a liberalização do poder, ou seja, a criação de uma Constituição que transferisse o poder legislativo para um parlamento. Este fenómeno alterará para sempre o rumo político do país, conduzindo ainda a uma guerra civil entre Liberais e Absolutistas que adiará um pouco mais o progresso e a estabilidade social

sexta-feira, novembro 11, 2005

1755 - O Terramoto hoje.



Pelas 9:40 da manhã do passado dia 1 de Novembro, badalaram em uníssono os sinos das igrejas lisboetas. Assinalavam-se os 250 anos volvidos da grande catástrofe que foi o terramoto do Dia de Todos os Santos, ocorrido nesse mesmo dia, nesse mesmo momento, na antiga cidade de Lisboa.
Acompanhando a iniciativa religiosa, a efeméride foi satisfatoriamente assinalada por vários órgãos de comunicação social. Aos artigos, suplementos, desdobráveis e à inclusão de abundante apoio iconográfico na imprensa escrita, juntaram-se as referências em telejornais, bem como reportagens, documentários e até a reposição de ficção televisiva alusiva ao tema. Uma questão de se estar atento. Assinalável ainda uma actuação da Orquestra Metropolitana de Lisboa na imensa igreja de S. Domingos, em memória de quantos por ali penaram 250 anos antes. No entanto, os responsáveis pela autarquia de Lisboa deixaram que este dia passasse sem que lhe dedicassem uma atenção minimamente proporcional à actualidade do tema. Lembremos que as exactas condições naturais que causaram a tragédia se encontram prontas a agir novamente. Fica-nos a sensação de que a edilidade gosta pouco de se associar abertamente a uma verdadeira demonstração de pesar e de humildade perante a História, perante a força dos elementos e a memória viva daqueles que, “do lado de lá”, ainda nos tentam despertar os sentidos, bem como antigas lições aparentemente já esquecidas. Na verdade, embora a memória colectiva nos distancie o coração dessas almas sofridas, parece subsistir um sentimento de temor que torna o tema tabu. O medo de um novo cataclismo só é comparável à certeza da sua inevitabilidade. Os lisboetas sabem-no, sentem-no como uma questão de anos, dias, horas, minutos até, quem sabe? Assim sendo, mais vale viver e não massacrar os ânimos, que por outros motivos já o estão de sobeja. A comunidade científica é unânime e assegura o fenómeno para uma relativa proximidade temporal. Dizem ser uma questão de energia acumulada de que a Terra se tem de aliviar periodicamente. Ora, quanto maior for esse hiato, maior será a intensidade do sinistro. Cronologicamente mais próximos, 1356 foi o terramoto de maiores proporções do seu tempo, 175 anos depois, em 1531, nova grande destruição grassa por Lisboa e arredores. 224 anos depois, o ano de 1755 traz novamente a devastação e, salvo algumas pequenas demonstrações destas forças, passaram-se já 250 anos sem um sinal claro de alivio tectónico que nos permita o sono descansado.

No entanto, não se pode aceitar que a dita edilidade, bem como o próprio Governo, se escusem de encarar como real a falha sísmica do Vale do Tejo e a sua potencial manifestação. A quimérica implantação do Metropolitano no Terreiro do Paço, a multiplicação de parques automóveis subterrâneos em plena Baixa Pombalina, o polémico Túnel do Marquês, são autênticas afrontas à força dos elementos, revelam a ânsia de inaugurar placas a qualquer custo e legam assim futuros factores potenciadores de uma catástrofe já de si terrível. Sendo estas as prioridades dos nossos responsáveis, bem se lhes compreende a falta de voz na efeméride. Para quê sujeitarem-se a ter de encarar perguntas incómodas sobre a segurança das obras públicas, a eventual existência de um plano de emergência em caso de catástrofe, ou sobre um também eventual regulamento de prevenção para a construção de habitações? “Quem vier a seguir que encare o devir” – Este é o mote – “E se vier em meu tempo, que Deus me poupe o tormento!”

Deus… Isto então levar-nos-ia a páginas de dissertação. O nosso D. José Policarpo veio falar e bem, como de costume. Apelou à remissão de pecados, lembrando os efeitos da ira divina sobre a soberba e a falta de humildade dos homens. A mesma ideia fora já difundida aquando do terramoto de 1531. É o próprio Gil Vicente que, numa carta a el-Rei D. João III, refere a ânsia com que os clérigos logo se apressaram a apontar a mão punitiva de Deus para com os pecados das gentes, prometendo-lhes ainda um segundo terramoto a rematar o primeiro. Em 1755 esta ideia foi essencialmente lavrada pelos jesuítas na voz de Gabriel Malagrida, um padre italiano de renome que chegou a criar um panfleto, desautorizando o rei (e o Marquês de Pombal) e atribuindo-lhe, bem como ao seu povo, as causas da ira divina. Só que este teve azar, como era próximo dos Távoras, foi astuciosamente incluído no processo movido à dita família pelo Marquês de Pombal, depois estrangulado e queimado em auto-de-fé.

Ainda assim, podemos deixar no ar as mesmas questões que ao tempo opuseram religiosos e humanistas por toda a Europa:

-Porquê uma cidade tão devota como Lisboa ser o alvo da tal ira divina?
-Como pôde um “Deus justo” permitir a morte indiscriminada de bons e pecadores?
-Como pôde esse mesmo Deus permitir a ruína de tantos templos, deixando ao invés intactos os bordéis da chamada “Rua Suja”?
-Como justificar a morte de tantas crianças?

Seja como for, as cerca de 12 mil vítimas mortais de 1755, têm forçosamente de constituir património memorial deste país, porque entre pobres e ricos, pretos e brancos, cultos e ignorantes, malfeitores e religiosos, não foram feitas distinções e a condição humana pouco pode em tais desígnios. Que a ciência o aguarda já sabemos. Por força das inevitabilidades da Natureza ou pela vontade de um Deus vigilante… De acordo com o sentimento do leitor… Valerá a pena pensar muito mais nisto?

quinta-feira, novembro 10, 2005

Apresentação



Decidi colocar neste espaço o contributo que venho dando ao jornal semanal de Torres Novas, "O Almonda".

Desta forma, torna-se prática e rápida uma consulta ao que foi já escrito e que acaba por desaparecer com o suceder das edições. Não se perde o acesso ao tipo de assuntos abordados na crónica "Recuemos...", assuntos sempre actuais, uma vez que abordam essencialmente alguns aspectos da História de Portugal.

Permite ainda a inclusão de fotografias que ilustrem os textos, e, finalmente, a eventualidade de um diálogo com os leitores sobre os temas abordados, bem como explicações e esclarecimentos adicionais que sejam solicitados.

Sempre que, excepcionalmente, os artigos publicados não pertençam à dita crónica, os seus títulos serão precedidos das palavras: "Artigo de Opinião".

Disponham:

Carlos L. Carreira