Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sábado, dezembro 23, 2006

De onde vem o “Almonda”?



Se há uma área interessante na análise histórica ou antropológica de uma terra, é a Toponímia, ou seja, o estudo da origem dos nomes próprios de lugares ou unidades paisagísticas. O nome de uma localidade, de um lago, de uma estrada, de um vale, de um rio, pode, por vezes, constituir a única pista que nos resta para a compreensão do seu passado. Ora, a região de Torres Novas é um destes casos, em que, não abundando os elementos documentais, nos limita muitas vezes a um simples nome ou a uma expressão designativa. Aqui, como no resto do país, somos confrontados com uma grande profusão de nomes, uns são-nos familiares, mas outros nem tanto. Este facto deve-se a um percurso, complexo e demorado, empreendido pela língua daqueles que se foram radicando no território que hoje é Portugal. A presença de populações ancestrais como os romanos, visigodos ou muçulmanos, foi tecendo, com o seu contributo, aquilo a que hoje se chama de Língua Portuguesa. Esta apresenta-se, em si mesma, como testemunha privilegiada desse percurso, uma fonte difícil mas concreta, que não deve ser descurada. Ora, Almonda, o nome pelo qual conhecemos o rio que serpenteia a cidade, bem como o presente jornal, concentra uma riqueza informativa que importa decifrar. É esse raciocínio que aqui proponho hoje.

Na sua obra Mosaicos Torrejanos, Artur Gonçalves abordava esta questão segundo duas perspectivas diferentes. A primeira, aquela tida como “mais aceitável”, segundo o autor, sugere uma construção estritamente latinizada, onde de “Almonda” se descobre o “Alius-Munda”. Uma alegada parecença deste rio com o Mondego (antigamente conhecido por Munda ou Monda) teria levado a um “empréstimo” do nome, passando o rio torrejano a designar-se também por “Munda”. Mas, existindo já um “Munda”, o de Coimbra, os romanos teriam adicionado o “Alius”, significando “outro”. Teríamos assim o “Aliusmunda” (ou o “Outro-Mondego”), de onde, por degeneração, resultaria o “Almonda”. A outra perspectiva apresentada por Artur Gonçalves é a de Pinho Leal, segundo o qual o nome do rio Almonda derivara do árabe Almodde (ou “Almude”, uma antiga medida para cereais), passando assim de Almodde para Almonda.

A perspectiva que pretendo sugerir terá um pouco destas duas, no entanto apontando um sentido diferente. De facto, parece clara uma participação da língua árabe no nome do rio. Se partirmos a palavra em dois, teremos duas palavras distintas, “Al” e “Monda”. Ora, analisando os traços mais comuns do árabe, encontramos repetidamente as palavras começadas por “Al”, como Algarve, Alviela, Alenquer, Alijó, alpendre, alface, etc., etc. Sabendo nós que “Al”, em árabe, não é mais que o nosso artigo definido “o” ou “a”, compreenderemos que, “Almonda”, na verdade, corresponderá simplesmente a “o monda”, o que afasta assim a improvável origem romana no “Alius” acima referido. Na verdade, os muçulmanos marcaram uma presença prolongada nesta região da Península Ibérica, pelo que, não será de admirar a sua intervenção também na transformação do nome do rio (assim como aconteceu com outros nomes, presentes da região). Resta-nos, assim, procurar o significado de “monda”. Analisando o léxico arábico, não encontramos nenhuma palavra que se assemelhe a esta, contudo, talvez não seja no árabe que deveremos fazer essa busca, mas antes, e agora sim, no latim, cá introduzido pelos romanos.

Se extrapolarmos a partir de “Monda”, poderemos encontrar no latim palavras como Mundus (limpo), ou Mundare/Mundo (limpar), Mundator (limpador), Munde (limpamente) e Munditia (limpeza), sendo que, o conceito latino empregue a esta família de palavras, tem equivalência no conceito de “purificação”, conforme o contexto em que é aplicado. Ora, todas estas palavras estarão na origem da expressão “Monda”, ainda actual, e que qualquer dicionário de Português explicará tratar-se não só do acto de arrancar as ervas nocivas às sementeiras, mas também de limpar ou purificar, como forma de expurgar de tudo o que é prejudicial. Ora, este conceito aplica-se na perfeição à natureza de um rio, especialmente se atentarmos nas características do Almonda. Este nasce dos canais cársicos subterrâneos, vindos da serra, ou seja, das entranhas puras da terra-mãe, o que, na senda de um imaginário pagão hispano-romano, lhe confere um carácter purificador, límpido, fertilizador e pleno de vida, que limpa e revitaliza as margens por onde corre.

Chegados a este ponto, temos já compreendida a origem do “Al” e do “Monda”. Falta explicar o porquê da combinação de um termo árabe com um termo latino na construção do nome do rio. No séc. IV d.C. findava o predomínio romano na Península Ibérica, dando lugar ao domínio visigodo durante os quatro séculos seguintes. A língua das populações locais era, assim, o produto de séculos de aculturação romana, onde o latim foi, de facto, sempre predominante. Mas, com o séc. VIII d.C. dá-se o início de uma longa ocupação de cinco séculos, desta vez preconizada pelos muçulmanos, vindos do Norte de África para a Ibéria. É aí que se dá um novo processo de aculturação das populações locais, verificando-se então o predomínio do árabe. Teríamos, assim, as populações cristãs, latinas, a viver sobre o domínio político e económico dos invasores muçulmanos, o que, no decorrer desses 5 séculos de ocupação, terá originado um forte impacto sobre a cultura e a língua locais. A esses cristãos que viviam sob o domínio muçulmano, damos o nome de Moçárabes. Ora, é junto destas populações moçárabes que haveremos de encontrar a origem do nome do Almonda.

Gente que falava o latim mas que convivia diariamente com a cultura arábica, foi absorvendo algumas características dessa língua, acabando por criar, ou recriar, todo um léxico que se consolidou e perdurou até aos nossos dias. Daí a já referida introdução do artigo definido árabe “al” (o/a), em nomes de origem latina. Disso são exemplo palavras como Alviela (que tendo origem no latim “venella”, precedido do artigo “Al”, significa “a veia” ou “o canal de água”), ou Alporão (que tendo origem no latim “planu”, precedido do artigo “al”, significa “o plano” ou “a planície”). Assim, al-monda poderá tão somente constituir um topónimo moçárabe, que, integrando o artigo definido árabe “al”, acrescenta uma das palavras latinas acima descritas (monda), com o significado simples e claro de “ a purificação” ou “o purificador”, ou ainda, numa observação menos poética do caso, “aquele que limpa”. Assim, o rio terá provavelmente sido nomeado pelas anteriores populações romanas, ainda pagãs, nome que, com a chegada dos muçulmanos, ter-se-á adaptado ao dialecto destes.

Portanto, tendo, como propunha Pinho Leal, uma influência árabe (“al”) e apesar de ser um termo com origem no latim (“monda”), reforço a ideia de que o Almonda não deverá o seu nome ao rio Mondego, quando mais não seja, em face da total ausência de similitude em dois rios de natureza tão díspar. Mais provável será que, o próprio nome Mondego, a ter origem romana, signifique exactamente o mesmo que o Almonda, usando desse conceito de limpeza e purificação, que traz a vida e a renovação por onde passa. Se for esse o motivo de comparação, então os rios serão de facto parecidos.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Artigo de Opinião - Este ano, um Pai Natal torrejano.



A questão é simples, isto não está fácil! Os preços aumentam, o orçamento diminui e, na mesma proporção, cresce aquele sentimento absurdo de que há um forte investimento a fazer…porque é Natal! Não é que seja mau receber presentes, ou especialmente ver a cara de quem recebe os nossos… Mas torna-se profundamente pernicioso este imenso esforço financeiro que se faz hoje em busca da prenda ideal. É que, geralmente, a “prenda ideal” comporta custos que vão muito além de uma gestão prudente dos nossos meios, e o problema assume proporções complicadas quando a prenda ideal se multiplica por umas quantas. Queremos dar uma lembrança a toda a gente, mas nem sempre é fácil encontrar algo suficientemente agradável a um preço comedido.

Pois, como em tempo de contenção todos procuramos alternativas que nos permitam manter a tradição, gostaria de partilhar convosco a minha ideia para este Natal. No passado dia 10 compareci à apresentação do “Mercado dos Sabores”, na alcaidaria do castelo. Uma iniciativa que visou a divulgação dos produtos tipicamente torrejanos, bem como uma abordagem sobre a importância da preservação dos métodos tradicionais de produção, que encerram um saber e um sabor únicos. Contando com a presença do famoso Chefe Silva, enalteceram-se o mel, o vinho, as ervas aromáticas, os licores, os doces, e, nas palavras do próprio Chefe, aquele que é o melhor de todos os azeites, o torrejano pois então! Mas, de facto, o enaltecimento daquilo que já sabemos ser bom, não foi o mais importante. A preservação da produção tradicional colide, não poucas vezes, com as metodologias e condicionantes que nos são externamente impostas, dificultando uma venda organizada destes produtos e debilitando assim a continuidade desses processos. Surgindo como essencial a promoção de uma legislação que salvaguarde também este tipo de património cultural, importa, antes de mais, reabilitar e valorizar estes conhecimentos, garantido que haja uma informação que passe e deixe marca entre os consumidores, de maneira a aumentar a procura.

Ora, neste pequeno mercado, encontrei pessoas que, para além de exporem para venda produtos raros, específicos e de uma extrema qualidade, fazem questão de encontrar fórmulas originais de apresentação dos mesmos, transformando o que poderia ser uma mera embalagem, numa espécie de bibelot de absoluto requinte, capaz de envergonhar as prateleiras de qualquer hipermercado. Os preços…tendo em conta o conjunto, são tudo menos excessivos, convidando ao investimento. Os caros leitores concebem outra oferta tão cheia de bom gosto como um delgado e colorido frasco de licor com o rótulo de “Torres Novas”? Ou um pote de mel ou de figos em calda de Torres Novas? Ou uma pequena cesta de vime torrejana a abarrotar de frutos secos torrejanos? Ou um pequeno pote da olaria torrejana com inscrições à nossa escolha e cheio de doce de frutos…torrejanos? Ou um pequeno saquinho bordado, e com a mensagem que quisermos, cheio de ervas aromáticas da nossa Serra? Ou uma bonita caixa de madeira com frascos de azeite torrejano? E o caro leitor sabe quanto gastaria com este tipo de lembranças? Decerto muito menos do que talvez pensa gastar este ano…!

O bom gosto passa essencialmente pelo amor que colocamos nas coisas e pelo facto da as criarmos a pensar em alguém. Daí que, este Natal, em que os tostões não abundam, seja talvez uma boa oportunidade para reanimar o lado mais puro desta tradição, descobrindo que o bom gosto, afinal, se descobre justamente na humildade da dedicação com que os nossos artesãos recriam e transformam a natureza. E eles, ao que tenho visto, estão abertos a sugestões e encomendas com originalidade. Neste Natal, aqui este “Pai-Natal” será definitivamente torrejano.


Para mais informações: Associação Nacional dos Produtores de Frutos Secos e Passados (em frente ao café Império); a loja de artesanato (nas traseiras do edifício do novo mercado); o CRIT (Centro de Reabilitação e Integração Torrejano) ou a Mercearia Nelito.