Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, setembro 29, 2006

Escola Prática de Cavalaria (II)



Recordávamos, na semana anterior, o desfasamento notório entre o processo evolutivo da cavalaria portuguesa e o das suas congéneres europeias. Enquanto, no período que medeia as duas grandes guerras, países como Alemanha, França ou Inglaterra vão trocando a cavalaria tradicional, ligada ao cavalo e ao manuseamento da espada, pelo carro blindado e as armas automáticas, Portugal permanece quase totalmente alheio ao ímpeto da corrida às armas, que então se verificava, e que haveria de resultar na catástrofe da II Guerra Mundial.



Não obstante, o ano de 1943 (a data de ambas as revistas cujas fotos aqui se apresentam) acabaria por trazer um ponto de viragem nesta situação. Na verdade, o posicionamento então tomado pelo lado dos Aliados, abdicando-se na neutralidade inicial, acabaria por beneficiar as forças armadas portuguesas, na medida em que as novas relações preferenciais, especialmente com Inglaterra, acabariam por resultar na aquisição de novo material bélico, bem como da respectiva instrução no seu manuseamento.



Constituem-se então os primeiros pelotões providos de metralhadoras anti-aéreas, canhões anti-carro, motos, camiões e viaturas “Bren”. Seria o início de uma era de sucessivos reforços, reformas e actualizações constantes. De ano para ano novos equipamentos dão entrada na Escola: auto-metralhadoras “Humber”, em 1944; auto-blindados “White”, em 1946; carros de combate “Valentine” e “Centauro”, em 1948.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Escola Prática de Cavalaria.



No próximo dia 24 deste mês de Setembro, comemorar-se-ia o 93º aniversário de José Carreira, 1º Sargento da Escola Prática de Cavalaria de Torres Novas, meu saudoso avô (na foto acima).

A efeméride pessoal servirá de pretexto para a divulgação de algum raro património fotográfico que ele nos deixou, fazendo-o acompanhar por uma breve resenha da História da Escola Prática.

Em duas revistas, editadas no auge da II Guerra Mundial, concentra-se uma série de fotografias, algumas das quais únicas, que ilustram duas reportagens então feitas sobre a Escola. A primeira, com o título “Uma tarde na escola de cavalaria de Torres Novas”, consta da Deutsche Reiterhefte - “revista da cavalaria alemã” - editada em Berlim, a 26 de Março de 1943 e onde se podem encontrar 9 fotografias (capa e contracapa incluídas) tiradas no decorrer de exercícios da cavalaria, levados a cabo em diferentes pontos da cidade. A segunda, trata-se de uma reportagem constante no 2º número de Abril, também do ano de 1943, da revista portuguesa Sinal. Aqui se encontram 10 fotografias também referentes a exercícios levados a cabo na cidade.

Tendo a Escola Prática de Cavalaria atingido um estatuto de referência a nível nacional (e não só), importa compreender a sua origem no seio das próprias forças armadas. Recuemos pois.

Poderemos talvez apontar o convulsivo período das invasões francesas, entre 1807 e 1814, como aquele que viria a evidenciar a necessidade de proceder à implementação de umas forças armadas propriamente ditas. É então que se procedem aos primeiros ensaios afim de criar focos de formação para infantaria e cavalaria. Trabalho penoso e por muito tempo sujeito aos desmandos das guerras entre liberais e absolutistas, sendo que apenas com o apaziguamento posterior se abre caminho a uma organização militar.

É então que pontualmente se criam pequenos e efémeros “depósitos de cavalaria” pelo país, centros de formação que procuram constituir quadros locais. Seria apenas na década de 70 que o forte incremento industrializador, aliado à urgência de ocupar militarmente as possessões coloniais (num tempo em que as várias potências europeias cobiçavam o ultramar português), que surge a necessidade de um considerável e decisivo reforço na reorganização militar do país. É então que surge a ideia de criar um verdadeiro pólo de instrução para as suas principais ordens, a infantaria e a cavalaria. No entanto, a ideia apenas se virá a concretizar cerca de uma década depois, criando-se então em Mafra a “Escola Prática de Infantaria e Cavalaria”, corria o ano de 1887.

Dado o impulso, e agravando-se a principal fonte motivadora para a proliferação militar, ou seja, a defesa das colónias, cedo o projecto de Mafra se revela insuficiente, quer pela falta de espaço, quer pela crescente necessidade de especialização. É então extinta a escola de Mafra, em 1890, para que nesse mesmo ano, a 26 de Abril, se decrete a criação de uma “Escola Prática de Cavalaria”, com sede em Vila Viçosa. Aí e ao longo de 12 anos floresce a cavalaria portuguesa. Daí e nesse tempo partem as expedições de Mouzinho de Albuquerque para Moçambique, logrando a manutenção da soberania portuguesa por essas terras longínquas. Enquanto isso, o país vive conturbações várias. É desse tempo o custoso processo do Ultimato Inglês, em que Inglaterra ameaça Portugal de guerra caso este não abrisse mão de certas possessões africanas. Também então o Estado declarava a bancarrota, face às exorbitantes dívidas acumuladas à banca nacional e europeia.

Seria no decorrer desses tempos difíceis que a 30 de Janeiro de 1902, Torres Novas recebe definitivamente a Escola Prática de Cavalaria, onde dada a maior proximidade dos centros de decisão do país, adquire maior relevância militar. Oito anos passados, dá-se a Revolução Republicana, mudam-se as chefias e criam-se novas fidelidades. A escola perde então a sua influência, para além do estatuto, vendo o seu nome reduzido a mera “Escola de Equitação” em 1912.

Cinco anos depois, 1917 marca a participação do corpo expedicionário português na 1ª Grande Guerra Mundial, que havia eclodido 3 anos antes. A cavalaria parte então de Torres Novas com funções diversas. Rumo à guerra europeia e mantendo também funções em África, este foi um período de grande exigência e dinamismo para a escola, na formação de quadros e no envio de militares, acabando assim por ver o seu prestigio devolvido. É sob o comando do então coronel Óscar Carmona que, em 1925, a escola recebe novo nome, mais adequado ao seu estatuto, a “Escola de Aplicação de Cavalaria”.

Ora, entre o fim da Iª e o início da IIª Guerra Mundial, enquanto a cavalaria das grandes potências europeias se reformava no essencial, trocando o cavalo pelo carro blindado e pelas armas automáticas, a escola (não obstante a chegada de alguns veículos blindados – sem o devido acompanhamento de instrução específica), permaneceu fiel ao modelo tradicional, mais fortemente ligada ao cavalo e ao manuseamento da espada, o que acabaria por, na prática, tornar obsoleta uma cavalaria que acabaria não tomando parte activa na IIª Grande Guerra. (continua)