Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sábado, novembro 25, 2006

Júlio Dinis – um perscrutador de almas



No passado dia 14 de Novembro, terça-feira, celebraram-se 167 anos do nascimento de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, que vulgarmente conhecemos como Júlio Dinis. Quis recordá-lo por ser o meu autor preferido e cujo génio insiste em permanecer quase que oculto sob o génio de Eça ou de Camilo. De facto, Júlio Dinis tem pouco destaque quando toca a celebrar a literatura portuguesa… Apesar da sua inquestionável importância, parece que a extrema leveza e naturalidade com que escreveu, nos deixa um subconsciente repleto de sensações e sentimentos que dispensam uma leitura frequente ou sequer a celebração da sua obra, ainda que paire sobre nós. A originalidade e a limpidez da sua escrita é tal que dispensa seguidores, é completa na sua unicidade, abrindo e fechando um ciclo próprio que, entretanto, vai sendo catalogado como “de transição” (entre o romantismo e o realismo). Mas recuemos…

Joaquim Gomes Coelho nascia a 14 de Novembro de 1839, na antiga Rua do Reguinho, no Porto. Filho de José Gomes Coelho, um médico-cirurgião de Ovar, e de Ana Constança Potter Pereira, de ascendência anglo-irlandesa, o pequeno Joaquim contava apenas 6 anos quando perdeu a mãe, vítima de tuberculose. Uma enfermidade que cedo haveria de perseguir a sua família e a ele próprio. O seu percurso escolar foi o habitual para um jovem membro da vitoriosa burguesia do pós-guerra civil. Lembremos que poucos anos antes se combatiam por todo o país as forças liberais, fiéis a D. Pedro e ao progressismo burguês, com as forças absolutistas, fiéis a D. Miguel e ao tradicionalismo do clero e da nobreza. Face à vitória dos primeiros, a família do pequeno Joaquim floresce no seu esplendor progressista, vincada pelo espírito científico positivista que ele próprio haveria de explorar no seu percurso académico. Tendo frequentado a escola primária de Miragaia, concluirá aos 14 anos o curso preparatório do liceu. Matricula-se então na Escola Politécnica do Porto de onde se transferiria logo depois para a Escola Médico-Cirúrgica na mesma cidade. Completando em 1861 o curso de medicina com alta classificação, é logo no ano a seguir convidado para o corpo docente desse mesmo estabelecimento de ensino, como demonstrador e lente substituto.

Joaquim contava então 23 anos e sofria já há 6 da doença que o consumiria, como à sua mãe e a outros seus dois irmãos 7 anos antes, a tuberculose. A luta que travou contra a debilidade persistente e galopante foi uma constante na sua curta existência. Vendo-se obrigado a interromper a carreira académica, optaria por abandonar a cidade para buscar na província ares mais salutares para a sua condição. Ruma então a Ovar, terra de seu pai, ao encontro da tia Rosa Zagalo Gomes Coelho, com a qual habitará por algum tempo. Debalde, não dando a doença mostras de recuo, parte para outras tentativas, buscando nova cura de ares na ilha da Madeira, onde esteve por duas vezes, bem como noutros pontos do país. Mas a sua sorte não haveria de mudar, acabando mesmo por sucumbir aos 32 anos, no Porto, cidade onde nascera.
Ora, até ao momento da ida forçada para a província, tinha já encetado a sua veia de poeta e romancista, datando de 1856 (ano em que sofreria os primeiros sintomas da tuberculose) as suas duas primeiras peças de teatro, “Bolo Quente” e “O Casamento de Condessa de Vila Maior”. Dois anos depois escrevia a sua primeira novela, “Justiça de Sua Majestade” (depois incluída na obra “Serões da Província”), contudo, apenas em 1860 se estrearia com o pseudónimo Júlio Dinis, quando publica uma série de poemas na revista portuense “A Grinalda”, referência do romantismo ao tempo. Os anos de 62 e 63 marcariam, a par do agravamento do seu estado de saúde, a produção e publicação das suas primeiras narrativas, “Os Novelos da Tia Filomena” e o “Espólio do Senhor Cipriano”, mas, desta feita, com novo pseudónimo, Diana de Aveleda, com o qual assinava algumas crónicas no “Diário do Porto”. A sua ida para Ovar, em 1863, marca um ponto de incremento na sua produção literária, escrevendo ou alinhavando romances e novelas que ia publicando através de folhetins no “Jornal do Porto”, como foi o caso de “As Pupilas do Senhor Reitor” (obra que seria apenas publicada completa em 67, depois de se ter descoberto a identidade do autor). No ano de 68 publicavam-se “A Morgadinha dos Canaviais” e “Uma Família Inglesa” e, em 1869, Joaquim parte para a Madeira, onde espera encontrar melhoras. É aí que publica “Serões da Província”, em 1870, seguindo-se então uma rápida contagem decrescente para a sua existência. Retorna definitivamente ao Porto em 71, onde inicia a revisão das provas para a publicação dos “Fidalgos da Casa Mourisca”, mas a morte abrevia-lhe a missão e abafa-lhe o génio, aos 32 anos, como anteriormente referido.

“Os Fidalgos da Casa Mourisca”, vista como a obra-prima de Júlio Dinis, publicada postumamente, em 1872, concentra em si todas experiências vividas pelo autor no contacto diário com a província. Júlio Dinis, mais que um médico, mais que um académico, foi um perscrutador na sensibilidade humana, um espectador atento da Vida em toda a sua dimensão, em Natureza, onde incluía o Homem e a partir da qual lhe avaliava o carácter. É toda essa obra o laboratório onde Júlio Dinis refina a sua percepção da essência do ser-se humano, combinando o perfil psicológico de pessoas reais que conhecera, e acabando vertendo-a como uma torrente de sentimentos sobre as personagens do seu derradeiro conto. Quem tenha lido “Os Fidalgos da Casa Mourisca” compreende o que quero dizer. Não há quem não encontre alguém ou a si próprio nas personagens que Dinis aí constrói. De resto, quem queira compreender o estado de espírito que fendia o Portugal da primeira metade de oitocentos, tem de ler esta obra. O autor revela não só um contacto próximo do espaço e das gentes do campo, presença constante na sua obra plena de reflexões descritivas, como um espírito carregado de optimismo e de uma Fé quase cega na bondade e na capacidade de perdoar e de amar dos homens. Para si não há homens maus e esse sentimento ele concretiza-o na inevitável remissão de todas as personagens que cria. A ira, a vingança, o rancor, a inveja, o orgulho, nunca levam de vencida o seu inverso pela pena deste romântico, sendo o perdão, a humildade e a reconciliação os valores mais altos que permanecem na mente do leitor após o fecho do livro. Era esse o espírito de Joaquim, era essa a sua natureza individual e foi esse o apelo que nos deixou.
Encontra-se sepultado no cemitério privado da Ordem Terceira de S. Francisco, em Agramonte - Porto.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Artigo de Opinião - A Hora de Acordar!



Aqui por perto, no passado dia 25 de Outubro, o Nabão invadia as casas ribeirinhas de Tomar, as suas famílias eram evacuadas e contabilizavam-se os prejuízos. Mas uma semana antes, o Entroncamento era assolado por um tornado que, encaminhando-se para a Barquinha, foi arrancando árvores, telhados, campas funerárias, arremessando objectos contra janelas e automóveis, derrubou uma grua e espalhou o pânico por 6 concelhos da região. Mas quem não tem reparado nos Verões sempre mais e mais quentes? Quem não tem reparado na inconstância de um tempo que tão depressa nos afoga em água como nos mata o gado à sede e à fome? Ainda assim, Portugal não está localizado numa daquelas zonas do globo em que as condições atmosféricas se apresentam com maior rigor, mantendo este clima ameno que nos permitiu uma espécie de calendarização meteorológica durante tanto tempo. Mas esse tempo já lá vai, claramente, e as evidências estão ao alcance da compreensão de qualquer um.



Por vezes, é quando as coisas nos tocam mais de perto que se abrem as consciências e a realidade se torna evidente aos olhos de todos. Mas será que foi desta? Tornados a rebentar com os cemitérios a norte do distrito de Santarém?!? Chuvadas que transformam ribeiros em rios e rios em torrentes de lama?! Verões acima dos 40º e que transformam os mesmos rios em pestilentas fossas de águas paradas?! Sempre se registaram anos de maior ou menor rigor climático, mas as duas últimas décadas apontam uma escalada constante na óbvia desordem do tempo.

Aqui há umas semanas atrás fui ao cinema ver o “filme” “Uma Verdade Inconveniente”, do realizador americano Davis Guggenheim. Trata-se de um documentário sobre os esforços que Al Gore (o candidato do Partido Democrata derrotado por George Bush nas eleições americanas de 2000) tem vindo a fazer ao longo de anos, afim de sensibilizar o Mundo para os perigos ambientais da conduta do Homem. A partir de uma série de gráficos, imagens, e apoiado no trabalho sistemático e actual dos mais consagrados cientistas do Mundo, Al Gore adverte para o facto de apenas dispormos de 10 anos para inverter a marcha suicida que hoje mantemos. Tudo se centra em torno da insistência na utilização de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás), que, mais do que nunca, vai contribuindo para o aquecimento global e para o degelo das calotes glaciares dos pólos. Ora, este degelo, para além de aumentar progressivamente o nível do mar, altera a sua temperatura e corrompe o seu equilíbrio salínico. A partir daqui, as inundações, as ondas de calor, tempestades mais agressivas, tornados onde não existiam e a morte causada por todos estes factores combinados, encontram-se no horizonte de todo o Mundo, sem excepções.

Os 10 anos referidos por Al Gore reportam-se ao período em que uma radical inversão nas opções políticas e individuais de consumo, possa evitar o ponto de irreversibilidade neste processo de auto-destruição onde caminhamos. Assim, para além do forte desejo de que todos cheguem a ver este documentário, deixo algumas medidas lá sugeridas, acções simples do dia a dia que podem fazer a diferença:

1-Substituir as vulgares lâmpadas incandescentes pelas lâmpadas fluorescentes, consumindo menos 60% de energia. Poupa na conta mensal.

2-Manter os filtros dos aparelhos de ar condicionado limpos (a sua sujidade obriga ao aumento de esforço energético, gastando e custando mais.)

3-Optar por chuveiros de baixa pressão, consumindo menos água e menos energia no seu aquecimento.

4-Optar por banhos mornos em vez de quentes, assim como na lavagem da roupa, evitando as programações de elevadas temperaturas.

5-Ao comprar novos electrodomésticos, opte por aparelhos de baixo consumo, peça o conselho do vendedor.


6-Sempre que possível, abdique do uso das máquinas de lavar loiça ou de secar roupa. Ao utiliza-las, certifique-se que o faz quando estão devidamente cheias.

7-Desligue os aparelhos de som e TV na fonte. Quando ao desligar se mantém acesa a luz vermelha, o aparelho está em stand-by, não desligado, pelo que consome na mesma.

8-Fazer da reciclagem um acto natural diário, separando os diferentes tipos de lixo. Ao comprar, prefira produtos reciclados.

9-Procure isolar a sua casa, de forma a que esta mantenha a temperatura ambiente com o mínimo de fugas, que obrigam a um consumo energético extra para compensar essas fugas.

10-Plante árvores sempre que tal esteja ao seu alcance, na sua propriedade, quintal, etc. Uma árvore consome cerca de uma tonelada de Dióxido de Carbono durante a sua vida, para além disso, a sua sombra, junto da casa, ajuda a manter a temperatura, diminuindo gastos na refrigeração do lar.

11-Prefira a compra de produtos agrícolas frescos locais, não contribuindo para o consumo energético exigido pelo transporte e acondicionamento refrigerado desses produtos, em camiões e em lojas.

12-Evite andar de automóvel próprio, preferindo os transportes públicos, caminhando ou movendo-se em bicicleta, sempre que possível.

13-Mantenha o seu automóvel em condições, de maneira a que não sejam lançados fumos para a atmosfera para além do necessário.


Para mais informações, consultar o site - http://www.climatecrisis.net/