Recuemos...

ARTIGOS DO SEMANÁRIO REGIONAL TORREJANO, "O ALMONDA". por Carlos Leitão Carreira

sexta-feira, janeiro 27, 2006

- O Regicídio -



Já por 15 dias D. Carlos havia adiado o regresso da família a Lisboa. Entristecia-o a simples ideia de deixar os campos de Vila Viçosa, onde todos os anos ia passar o Inverno. Aqui, a natureza, o contacto com os camponeses, a paz, a caça, a pintura, mas, para lá do Tejo, uma capital em sucessivas convulsões revolucionárias, tragada pelas intrigas parlamentares de políticos pouco sérios, onde a população estava por conta própria ou arregimentada pelas hostes republicanas. A rainha Dª Amélia e o príncipe herdeiro pediam-lhe que prolongasse a estadia. Lisboa não era segura para que regressassem. Tinham notícia das manifestações e explosões tecidas pelos terroristas. Na capital, aguardava-os o príncipe mais novo, D. Manuel. Vendo de perto o que a família ouvia ao longe, chega, a 28 de Janeiro, a escrever ao Presidente do Concelho, João Franco, a saber se era segura a vinda dos pais e do irmão naquele momento, ao que este lhe responde “não haver nada a recear”.

As constantes lutas entre os interesses dos partidos, do “sistema” de então, tinham desgastado o país a tal ponto que o rei decidira nomear o Presidente do Concelho pessoalmente, ao qual conferia poderes ditatoriais. Essa nomeação recai sobre João Franco, e cedo a sua acção governativa leva a que, para além dos partidos e grupos republicanos, também o espectro partidário leal à Monarquia se indigne e revolte com o rei. É então que se dá a proliferação de reuniões, manifestações e conjuras de toda a ordem, ao que a ditadura responde com as perseguições e prisões dos respectivos lideres. É neste contexto que D. Carlos se vê obrigado a regressar de Vila Viçosa com a família. A sua ausência poderia custar mais do que devia. Havia descansado, havia reflectido, e estava decidido a tomar conta dos acontecimentos de uma vez por todas. Admitia ter dado plenos poderes a Franco como medida de excepção e necessariamente temporária, o qual pretendia acompanhar na acção governativa até que se estabelecesse a ordem política e partidária.



A 1 de Fevereiro de 1908, no final de um dia solarengo, acumulava-se um grupo numeroso junto ao cais do Terreiro do Paço. À frente, alguns oficiais de uniforme, homens de fato escuro e chapéu alto, algumas damas de corte e eclesiásticos. Mais atrás, encontravam-se as carruagens estacionadas, alguns automóveis e um pelotão de cavalaria. Em destaque, dois homens de chapéu alto trocam palavras - Estás seguro de que tudo vai correr bem? – O outro sossega-o. D. Manuel não esconde a preocupação que mantém desde há dias. Mesmo junto à água, o Infante D. Afonso aguarda o desembarque do irmão Carlos. Todos estão apreensivos. A insistência do rei em regressar a Lisboa agrava-se, quando este exige ser transportado em cortejo, num coche (landau) descoberto até ao Palácio das Necessidades. D. Carlos quer mostrar que confia no seu povo, mas todos temem pela segurança da Família Real. Ao longe já se vê o vapor aproximando-se do cais. Tudo está preparado e pouco antes das 5 da tarde, estende-se o passadiço do navio já encostado. Ante os olhares ansiosos sai primeiro D. Carlos, austero, em uniforme. Segue-se-lhe a rainha, em traje de viagem e ar apreensivo. Por fim, D. Luís Filipe, sorridente. – Estás seguro de que tudo vai correr bem? – pergunta o rei ao chefe da polícia ali presente. Perante a resposta e após os cumprimentos familiares e vénias convencionais, sobem os quatro para o coche, os reis no banco traseiro, os príncipes de costas para a estrada. Inicia-se o cortejo, lento, entre vivas e saudações.



É então que, aquando da passagem pela rua do Arsenal, se ouve um primeiro tiro, um sinal de aviso que desencadearia o processo. Seguiu-se a movimentação de um segundo atirador. Este, mais próximo, salta de entre a multidão para o coche e desfere um tiro mortal na nuca de D. Carlos com um revolver. É então que o primeiro atirador volta a disparar. Empoleirado numa árvore, onde aguardava a aproximação do cortejo, escondia sobre o capote alentejano uma carabina de dois canos, com a qual disparou sobre o príncipe herdeiro, ferindo-o gravemente. Entretanto, D. Manuel baixa-se no fundo do coche sendo ainda ferido num braço, enquanto a rainha procura atacar o assassino do seu marido, ainda junto deles, com um ramo de flores recebido no desembarque. Os cavalos tentam fugir numa reacção violenta e todos se abatem sobre a Família Real procurando-a defender. Uma fracção de segundos…a polícia nada pôde, os militares também não. Os assassinos foram logo ali agarrados e mortos a tiro, o que dificultou a averiguação da conjura. O coche entra então nas instalações do Arsenal, onde os médicos ainda procuraram salvar os feridos. Tendo o príncipe herdeiro aí chegado com vida, não haveria de resistir aos ferimentos sofridos. O Presidente do Concelho, que circulava atrás, foi imediatamente informado da morte do rei e do príncipe herdeiro. De repente, tudo era diferente. Uns escassos 2 anos levariam à conclusão do plano neste dia iniciado. A República seria proclamada a 5 de Outubro de 1910, ante a partida do rei D. Manuel para o seu permanente exílio em Inglaterra, a partir de uma praia na Ericeira.

Assinalando este importante marco na História nacional, a Real Associação de Lisboa realiza todos os anos, neste dia, um cortejo que, partindo do Terreiro do Paço pelas 17 horas, ruma em marcha lenta até à igreja de S. Vicente de Fora onde, pelas 19 horas, realiza missa com a presença dos duques de Bragança. Este ano não é excepção, acrescendo, no entanto, a inauguração de uma placa no local do regicídio, assinalando o acontecimento 98 anos depois. O evento decorrerá pelas 17 horas, e contará com representação da Câmara Municipal de Lisboa, co-financiadora do projecto.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Artigo de Opinião: -Seis tiros no Ensino Superior -




Bem sei que o título escolhido é algo desconcertante. Mas não se pense que venho defender que se ande por aí aos tiros. Nada disso. Não obstante, outras coisas há que tombam, mesmo sem tiros à séria. Falo do estado a que chegou o nosso Ensino Superior e daquilo que identifico como uma das mais fortes causas para essa situação: a desorientação dos jovens e a responsabilidade do Estado na intensificação desse fenómeno.

Se recuarmos talvez umas duas décadas, lembraremos que a maturidade de um jovem que concluísse o ensino secundário pelos 17-18 anos, lhe permitiria uma boa noção do projecto de vida mais indicado a seguir, nomeadamente a nível profissional. A formação académica, quando ambicionada, era então encarada como um desígnio, um compromisso pessoal, ao qual se dedicava esforço e recursos de todo o tipo. Foi um tempo em que, apesar da pouca variedade das licenciaturas disponíveis, se guardava um lugar digno para quantos concluíam os seus estudos, inserindo os quadros superiores na vida activa. Em suma, as universidades eram frequentadas por homens e mulheres conscientes das suas obrigações e, acima de tudo, do seu projecto de vida. Hoje, tudo se adulterou. Algures no tempo se veio a convencionar o célebre preconceito de que “agora, quem não tem canudo não é ninguém!”. Esta ideia vingou entre a classe média, a tal que se vem limitando a seguir os padrões de uma “maioria” disforme e anónima. Assim, os nossos jovens recebem um padrão social a cumprir, ditado por “eles”, e um adolescente que rejeite a ideia de ingressar no Ensino Superior, torna-se numa espécie de “falhado, sem ambição”, muitas vezes aos olhos dos próprios pais.

Já para não desenvolver muito a questão da carência de técnicos, que conduz a uma empregabilidade muito superior entre os chamados “quadros intermédios”, a par dos salários praticados, refira-se que a desorientação a que os jovens estão hoje expostos quando terminam o Secundário, é muitas vezes causa de futuras frustrações e de uma tremenda despesa para o Estado. Explicando: Ao aproximar-se o 12º ano, surge para muitos a angústia de escolher um curso universitário. Não porque queiram ser isto ou aquilo, ou porque desde pequenos tenham sonhado ser algo, mas simplesmente porque, hoje, entrar na universidade, é sinal de aprovação, de sucesso. Os pais babam-se porque o filho vai ser “Doutor” e o jovem descansa porque ultrapassa mais esta provação social. Claro que há aqueles que sempre sonharam ser médicos, ou veterinários, ou enfermeiros, ou fisioterapeutas, mas esses, são os tais que tiveram tantas vezes de sacrificar a adolescência em prol dos livros, em busca das médias ridículas a que o Estado os obriga, para outras tantas vezes acabarem à porta do sonho por uma ou duas décimas (porque é melhor importar estrangeiros formados do que investir na formação).

O processo é este: ao chegar a época de candidatura, todos os jovens pretendentes à Universidade têm de preencher um formulário, no qual poderão colocar 6 pares de Universidade/Curso. O candidato tem 6 possíveis escolhas para ingressar num curso e num determinado estabelecimento de ensino público, que vai preenchendo por ordem de preferência. Depois, conforme a média com que concorre, a sua entrada fica dependente do número de vagas disponíveis, bem como das notas com que concorrem os outros. Quem tem as notas mais altas, entra primeiro. Ora, esta regra a mim não me constrange, pois a triagem é um processo natural quando se busca a eficiência. Já por outro lado, 6 hipóteses para se entrar numa Universidade, parece-me um factor que diminui forçosamente a eficiência do Ensino Superior. Seis diferentes hipóteses equivalem a seis diferentes projectos de vida a que se pode candidatar um jovem de 18 anos. Estará ele em condições de compreender o que está em causa? As consequências são óbvias.

Veja-se este exemplo: Imagine um jovem que quer ser jornalista. Coloca essa como primeira opção no formulário. Mas depois vai colocando outras opções a seguir, e por ordem de preferência, até chegar à sexta que é, por exemplo, Antropologia. O leitor acredita que a sexta opção poderá constituir um projecto de vida alternativo a alguém que quer ser jornalista? Acredita que, caso apenas possua nota para entrar na sexta opção, este jovem se vai sentir suficientemente incentivado para fazer uma licenciatura de 4 anos com aproveitamento? Que depois de concluída a formação, terá alento para procurar trabalho nessa difícil área? Eu não. E, no entanto, o Estado compromete-se a investir neste curso. Não acredito porque observei de perto muitos jovens desalentados, que entraram na sua última ou penúltima opção e que depois, foram tendo notas medíocres, chumbando vários anos e alguns até deixando os cursos incompletos. Ora, quando pensamos que não se abrem mais vagas em medicina porque ficam dispendiosas ao Estado, quando pensamos que não há mais apoios para os estudantes-trabalhadores (esses provavelmente mais certos do que ninguém da sua opção) ou que não se investe na qualidade das infra-estruturas de ensino…fica-nos um certo sabor a desorientação em todo este sector. Hoje em dia, prevalece a ideia de que “ninguém pode ficar de fora”, ainda que se entre num curso não eleito como projecto pessoal. O grande objectivo é entrar na Universidade, cumprir um desígnio e ser aceite, o resto logo se vê. Mas esse “logo”, sai caro aos contribuintes, uma vez que se investe no estudante ao longo do seu percurso, com ou sem aproveitamento. Estes “6 tiros no Ensino Superior” concretizam-se em milhares de processos de candidatura por ano, que de facto visam uma continuidade de estudos, mas como uma espécie de prolongamento do Ensino Secundário e não tendo em vista a vida profissional activa. Estes jovens fazem os seus cursos (quantas vezes profundamente teóricos) sem um qualquer entrosamento com a via profissionalizante dessas matérias, terminando-os normalmente sem quaisquer perspectivas de trabalho na sua área de formação. Este é o drama dos milhares de licenciados no desemprego, quando ao mesmo tempo se constata uma carência de licenciados, em comparação com outros países da Europa.

O Ensino Superior tem de ser definido. Ou é assumido como Centro de Formação Escolar e pólo de desenvolvimento intelectual, ao qual todos têm direito de aceder em igualdade de circunstâncias (à semelhança do Secundário), ou então deve ser assumido como um Centro de Especialização com vista ao mercado de trabalho e às reais necessidades do país, limitando-se a abertura de licenciaturas, restringindo a abertura de vagas ou mesmo cursos sem mercado de trabalho. Parece-me não ser possível fazer um país à medida das universidades, especialmente quando estas se tornam num reduto corporativo de docentes, que procura manter-se e expandir-se, apesar da esterilidade da sua acção e do drama dos seus resultados.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

- Pedro “o Cru” -




Como dizia, uma outra razão terá conduzido a este desfecho. Teremos de recuar um pouco mais ainda para compreende-la. D. Dinis, pai de Afonso IV e, portanto, avô de Pedro, a certa altura ter-se-á afastado de sua esposa, a rainha Isabel (Santa Isabel), tendo então mantido relações extra-conjugais. De uma dessas relações terá nascido Afonso Sanches, um jovem de forte carácter que D. Dinis muito estimava. Esse apreço elevaria Afonso Sanches a mordomo-mor, um dos cargos mais elevados de então.

Esta atenção prestada pelo rei ao filho bastardo, provoca um ciúme desmedido no herdeiro da Coroa, o jovem Afonso, único filho de D. Dinis com Dª Isabel. Temendo a preferência do pai pelo seu meio-irmão, Afonso reúne forças por todo o país e inicia uma revolta contra D. Dinis, procurando força-lo a abdicar do trono em seu favor. À cabeça das forças de D. Dinis, estava o seu bastardo Afonso Sanches. O ímpeto do infante acaba por vencer as forças do rei, e antes que pudesse capturar o seu meio-irmão, este foge e refugia-se em Castela, deixando Afonso IV ávido por vingança.

Em Castela, Afonso Sanches casa-se com a herdeira da casa de Albuquerque, junto da qual, alguns anos mais tarde, adopta a pequena Inês Peres de Castro. Inês era filha adoptiva de Afonso Sanches e D. Afonso IV sabia-o. As razões para que a odiasse eram, pois, de peso, filha adoptiva do seu maior inimigo, irmã dos Castro, que tentavam convencer o seu filho Pedro a trocar o trono português pelo castelhano, por fim, mãe de 3 crianças que disputariam o trono ao seu legítimo neto, D. Fernando. A vingança foi consumada da forma conhecida.

Ao saber da morte de Inês, D. Pedro voltou-se em armas contra o pai e indo até ao Norte do país, liderou saques e motins por terras do rei. Só meses depois, e por acção da rainha Beatriz, sua mãe, o infante se compromete a não mais procurar vingar a morte de Inês e, por seu lado, Afonso IV se compromete a esquecer e a perdoar as destruições causadas pelo infante, seu filho. Só que, menos de 2 anos decorridos, morre D. Afonso IV, não sem antes mandar avisar os seus 3 cúmplices que saíssem para Castela antes que o filho fosse coroado. Com efeito, assim que se dá a coroação, inicia-se uma autêntica caça ao homem por toda a Península Ibérica. Chega-se a fazer um trato com o rei de Castela, no qual se promove uma troca de prisioneiros. D. Pedro entregaria ao rei de Castela castelhanos exilados em Portugal e aquele rei entregaria a D. Pedro portugueses exilados em Castela. Entre eles, naturalmente D. Pedro queria que constassem os carrascos de Inês, foram eles Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco. Tendo este último conseguido fugir, foram os outros dois presentes a D. Pedro.

Como nos relata o cronista Fernão Lopes, o rei estava em Santarém, e aí foram por ele interrogados os dois capturados. D. Pedro quis deles saber quais os envolvidos na conspiração contra Dª Inês, bem como das motivações e das ordens dadas por seu pai. Como nenhum lhe dissesse nada, el-rei ter-se-á enfadado e aplicado um tabefe sobre Pêro Coelho que logo com el-rei se revoltou, insultando-o. D. Pedro mandou-os matar ali mesmo, na sua presença e com métodos deveras chocantes. Ordenando que fossem amarrados, a um quis que se lhe arrancasse o coração pelo peito, a outro, pelas costas. Tal terá decorrido frente a el-rei, enquanto almoçava, o que constituiu certamente um dos episódios que mais terá contribuído para um dos cognomes com que ficou lembrado, Pedro “o Cru”.

Segue-se, tempos depois, o juramento público e solene de D. Pedro, em como havia contraído matrimónio com Inês em segredo. Para tal apresentou testemunhas, cujas declarações não convenceram a totalidade do reino. Ainda assim, D. Pedro fez com que fosse consagrada rainha de todos os portugueses, sendo célebre a pompa na trasladação do cadáver de Coimbra para Alcobaça, e digna de verdadeira majestade a meticulosa lavra do seu túmulo.

Desse amor, resta-nos hoje um pungente passeio pela Quinta das Lágrimas, lembrando o local onde Inês fora morta, ou a contemplação atenta desses dois jazigos góticos, “tela” de um autêntico vendaval de sentimentos. E Alcobaça fica tão perto…! Fica o convite. Uma rosa por Inês, uma rosa por Pedro.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

- O “Colo de Garça” -





“ (…)O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha”.



Camões dá o mote para o tema desta semana: O trágico destino de Pedro e Inês. Neste 7 de Janeiro, assinalam-se os 651 anos da morte de Inês de Castro, um dos assassinatos mais polémicos de toda a História de Portugal e que, pelas suas circunstâncias, deixou profundas marcas em toda uma sociedade que com tal se chocou muito. Inês ficou para sempre na mitologia e no sentimento nacional, face às lendas que acentuaram o carácter dramático da sua vida e morte. Ainda assim, há que compreender os factos por detrás da tradição e o que levou a este triste desfecho. Recuemos pois.

Entre 1340 e 1348, Portugal foi um país estabilizado e em desenvolvimento. D. Afonso IV, pai de D. Pedro, havia sanado os conflitos com Castela e eliminado a última demanda sarracena sobre território português. Era, pois, tempo de reestruturação nas instituições, de desenvolvimento económico-social, de reformulação de leis e formulação de outras. Era essa a prioridade do rei, manter a todo o custo uma paz que lhe possibilitasse o governo. Já no outro lado da fronteira o caso era outro. O rei castelhano, Afonso XI, andava de costas voltadas para a sua nobreza, ignorando-a e contrariando-lhe os interesses. Contudo, esta nobreza era demasiadamente poderosa e influente para se sujeitar à vontade real, começando cedo a conjurar uma nova dinastia. Está bom de ver que o nosso Afonso IV logo declina tomar qualquer partido nestas querelas vizinhas, a paz havia-lhe custado demasiado para ser assim desbaratada. Imagine-se então o desgosto de ter no próprio filho, seu herdeiro, o principal elemento português a pôr em causa este esforço, comprometendo a paz e estabilidade conquistadas. Foi o que sucedeu.



Casado em 1340 com Dª Constança, filha de um nobre castelhano, o infante D. Pedro apaixona-se loucamente por Dª Inês Peres de Castro, amiga e dama de companhia da princesa, o “colo de garça”, como era conhecida nos salões pela sua graça e beleza. O infante é correspondido, o que dá inicio a um amor intenso e a uma relação proibida. Apesar das relações extra-conjugais se enquadrarem na moral da época, algo terá levado à ordem de afastamento de Inês, ao ponto de acabar por ser expulsa do país, por ordem do próprio rei. Nos 5 anos seguintes, esta relação vive de encontros secretos e de uma ausência sofrida, até que, em 1345, Dª Constança morre ao dar à luz o seu único filho, o infante D. Fernando, futuro rei de Portugal. Então, D. Pedro não perde tempo e logo corre a trazer Inês para perto de si. Assim se reiniciava uma relação que se estenderia por 10 anos, da qual nasceram 4 filhos e que terminaria tragicamente com a morte de Inês. Interessa lembrar que, ao tempo, Inês era muito pouco querida entre nós, na verdade, desde o povo à nobreza, temia-se pela vida e pela futura coroação do infante Fernando, face ao amor cego que o príncipe dedicava à “espanhola” e aos filhos tidos com esta.

Ora, esta conjuntura concorreria para que o rei, Afonso IV, reforçadas as suas próprias razões, resolvesse a situação ao seu modo. Assim sendo, naquela tarde de 7 de Janeiro, aproveitando-se a ausência do infante, o próprio rei com 3 fidalgos de sua confiança, cavalga até à mata real de Coimbra, onde Pedro havia instalado a sua família, longe das intrigas e ameaças da Corte. Aí se encontram com uma Inês suplicante, que apunhalam e degolam sem misericórdia. Dª Inês cai morta, três crianças perdem a sua mãe e o problema de el-rei fica resolvido…. Não é fácil encontrar um motivo plausível, para que um rei ordene tal fim a uma mulher indefesa. Que razões para um crime desta monta?



Referiu-se atrás, que os nobres castelhanos pretendiam destronar o seu rei, inaugurando uma nova dinastia. Ora, ao fazê-lo punha-se o problema da sucessão. Quem iniciaria essa nova dinastia castelhana? Pois imagine-se que se foram lembrar, nem mais nem menos, que do nosso infante Pedro, descendente directo que era dos reis de Castela, por via materna. Logo se aproximaram-se dele, atraindo-o para o seu partido. Na verdade, uma importante parte do seu séquito era constituído por alguns dos mais destacados responsáveis pela conjura contra o rei castelhano. Agravando tudo isto, Inês de Castro era irmã e meia-irmã de 3 destes responsáveis, logo, partidária da sua causa. Ora, aos olhos do rei de Portugal, estas companhias do filho, começando por Dª Inês, eram altamente comprometedoras da neutralidade que se vinha esforçando por manter face à situação castelhana. Com o seu herdeiro prestes a aceitar encabeçar uma rebelião que, no seu íntimo, acreditava vir a falhar, a posição dele próprio estaria em causa face ao rei de Castela, com o qual mantinha relações cordiais. Tendo já por outras vezes ameaçado o infante, D. Afonso IV resolve eliminar da forma mais brutal, aquela que considerava ser a principal e mais próxima voz de encorajamento que Pedro tinha, para anuir à proposta dos seus amigos castelhanos, Dª Inês de Castro. De resto, D. Afonso não poderia também aceitar que o seu único herdeiro fosse ocupar o trono castelhano, abandonando Portugal a um D. Fernando ainda criança e já sem mãe.
Mas ainda assim, outra razão igualmente intensa povoava a mente do rei português, uma razão pessoal, familiar, um rancor que encontrou consolo na vingança sobre Inês. (continua…)